Razão e Revelação
Um grande anseio que pervade a existência humana em todas
as épocas é chegar ao conhecimento da verdade. Variados são os recursos que o
homem possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez
mais humana a sua existência. Tanto no Oriente como no Ocidente, é possível
entrever um caminho que, ao longo dos séculos, levou a humanidade a encontrar-se
progressivamente com a verdade e a confrontar-se com ela. Foi Deus quem colocou
no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de
conhecer a ele, para que, conhecendo-o e amando-o, possa chegar também à
verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 8; Sl 27/26, 8-9; 63/62, 2-3; Jo 14,
8; 1 Jo 3,2).
O termo filosofia significa, segundo a etimologia grega,
“amor a sabedoria”. Efetivamente a filosofia nasceu e começou a desenvolver-se
quando o homem principiou a interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu
fim. A filosofia tem a grande responsabilidade de formar o pensamento e a
cultura por meio do apelo perene à busca da verdade, deve recuperar
vigorosamente a sua vocação originária.
A Igreja não é alheia, nem pode sê-lo, a esse caminho de
pesquisa. Desde que recebeu, no Mistério Pascal, o dom da verdade última sobre
a vida do homem, ela fez-se peregrina pelas estradas do mundo, para anunciar
que Jesus Cristo é “o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14, 6). No entanto a fé,
que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da
graça, pertence efetivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do conhecimento
filosófico. A fé aperfeiçoa o olhar interior, abrindo a mente para descobrir,
no curso dos acontecimentos, a presença operante da providencia de Deus, é como
se dissesse que o homem, pela luz da razão, pode reconhecer a sua estrada, mas
percorrê-la de maneira decidida, sem obstáculos e até ao fim, ele só o consegue
se, de ânimo reto, integrar a sua pesquisa no horizonte da fé. Por isso, a
razão e a fé não podem ser separadas, sem fazer com que o homem perca a
possibilidade de conhecer de modo adequado a si mesmo, o mundo e Deus. A fé e
razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito
humano se eleva para a contemplação da verdade. Nesta perspectiva podemos dizer
que: a filosofia e as ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a
fé, iluminada e guiada pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a
“plenitude de graça e de verdade” (cf. Jo 1, 14) que Deus quis revelar na
história, de maneira definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo
5, 9; Jo 5, 31-32). Em virtude dessa revelação, Deus invisível (cf. Cl 1, 15; 1
Tm 1, 17), na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos (cf. Ex 33, 11;
Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Br 3, 38), para os convidar e admitir à
comunhão com Ele.
Mediante isto, diante de tamanho mistério a economia da
revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas
entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da
salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas
palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério
nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto a respeito de Deus como a
respeito da salvação dos homens nos é manifestada, por esta Revelação, em
Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação.
A encarnação do Filho de Deus permite ver realizada uma
síntese definitiva que a mente humana, por si mesma, nem sequer poderia
imaginar: o Eterno entra no tempo, o Tudo se esconde no fragmento, Deus assume
o rosto do homem. Com efeito, é nele que tem lugar toda a obra da criação e da
salvação, e sobretudo merece destaque o fato de que, com a encarnação do Filho
de Deus, vivemos e antecipamos desde já aquilo que se seguirá ao fim dos tempos
(cf. Hb 1, 2).
Por fim, essa verdade revelada é a presença antecipada na
nossa história daquela visão última e definitiva de Deus, que está reservada
para quantos acreditam nele ou o procuram de coração de sincero. Assim, o fim
último da existência pessoal é objeto de estudo quer da filosofia, quer da
teologia. Embora com meios e conteúdos diversos, ambas apontam para aquele
“caminho da vida” (Sl 16/15, 11) que, segundo nos diz a fé, tem o seu termo
último de chegada na alegria plena e duradoura da contemplação de Deus Uno e
Trino.
Referência:
João Paulo II, Fides et
Ratio, Editora Paulinas, São Paulo, Brasil, 1998.
RAHNER, Karl, Curso
Fundamental da Fé, Edições Paulinas, São Paulo, Brasil, 1989.
Nenhum comentário:
Postar um comentário