São Paulo (4):
A concepção paulina do apostolado
Queridos irmãos e
irmãs!
Na passada quarta-feira
falei sobre a grande mudança que se verificou na vida de São Paulo após o
encontro com Cristo ressuscitado. Jesus entrou na sua vida e transformou-o de
perseguidor em apóstolo.
Aquele encontro marcou o início da sua missão: Paulo
não podia continuar a viver como antes, agora sentia-se investido pelo Senhor
do encargo de anunciar o seu Evangelho como apóstolo. É precisamente sobre esta
sua nova condição de vida, isto é, de ser apóstolo de Cristo, que hoje gostaria
de falar. Normalmente, seguindo os Evangelhos, identificamos os Doze com o
título de apóstolos, pretendendo desta forma indicar os que eram companheiros
de vida e ouvintes do ensinamento de Jesus. Mas também Paulo se sente
verdadeiro apóstolo e torna-se claro, portanto, que o conceito paulino de
apostolado não se limita ao grupo dos Doze. Sem dúvida, Paulo sabe distinguir
bem o seu caso do de quantos "tinham sido apóstolos antes" dele (cf. Gl 1, 17): reconhece-lhes um
lugar totalmente especial na vida da Igreja. Mas, como todos sabem também São
Paulo se define a si mesmo como Apóstolo em sentido estrito. O que é certo é
que, no tempo das origens cristãs, ninguém percorreu tantos quilômetros como
ele, por terra e por mar, com a única finalidade de anunciar o Evangelho.
Portanto, ele tinha um conceito de apostolado
que ultrapassava o que se relaciona apenas com o grupo dos Doze, transmitido,
sobretudo por São Lucas nos Atos (cf. At
1, 2.26; 6, 2). De fato, na primeira Carta aos Coríntios Paulo faz uma clara
distinção entre "os Doze" e "todos os apóstolos",
mencionados como dois grupos diversos de beneficiários das aparições do
Ressuscitado (cf. 14, 5.7). Naquele mesmo texto ele começa em seguida a
referir-se a si mesmo como "o último dos apóstolos", comparando-se
até com um aborto e afirmando textualmente: "não sou digno de ser
chamado Apóstolo, pois persegui a Igreja de Deus. Mas, pela graça de Deus, sou
o que sou, e a graça que Ele me deu não foi inútil; pelo contrário, tenho
trabalhado mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está
comigo" (1 Cor 15, 9-10).
A metáfora do aborto expressa uma humildade extrema; encontrá-la-emos também na
Carta aos Romanos de Santo Inácio de Antioquia: "Sou o último de todos,
sou um aborto; mas ser-me-á concedido tornar-me algo, se alcançar Deus"
(9, 2). O que o Bispo de Antioquia dirá em relação ao seu martírio iminente,
prevendo que ele mudará a sua condição de indignidade, São Paulo di-lo em
relação ao próprio compromisso apostólico: é nele que se manifesta a
fecundidade da graça de Deus, que precisamente sabe transformar um homem mal
sucedido num maravilhoso apóstolo. De perseguidor em fundador de Igrejas:
Deus fez isto num homem que, sob o ponto de vista evangélico, poderia ser
considerado um aborto!
Portanto, na concepção
de São Paulo, o que faz com que ele e outros sejam apóstolos? Nas suas Cartas
sobressaem três características principais, que constituem o apóstolo. A
primeira é a de ter "visto o Senhor" (cf. 1 Cor 9, 1), ou seja, de ter tido com Ele um encontro
determinante para a própria vida. Analogamente na Carta aos Gálatas (cf. 1,
15-16) dirá que foi chamado, quase selecionado, pela graça de Deus com a
revelação do seu Filho em vista do feliz anúncio aos pagãos. Em definitiva, é o
Senhor que constitui o apostolado, não a própria presunção. O apóstolo não se
faz por si, mas é feito tal pelo Senhor; portanto o apóstolo tem necessidade de
se relacionar constantemente com o Senhor. Não é por acaso que Paulo diz que é
"apóstolo por vocação" (Rm
1, 1), ou seja, "não da parte dos homens, mas por Jesus Cristo e por Deus
Pai" (Gl 1, 1). Esta
é a primeira característica: ter visto o Senhor,
ter sido chamado por Ele.
A segunda característica
é "ter sido enviado". A própria palavra grega apóstolos significa
precisamente "enviado, mandado", ou seja, embaixador e transmissor de
uma mensagem; portanto ele deve agir como encarregado e representante de um
mandante. É por isso que Paulo se define "apóstolo de Jesus Cristo" (1 Cor 1, 1; 2 Cor 1, 1), o que
significa seu delegado, que se põe totalmente ao seu serviço, a ponto de se
qualificar também "servo de Jesus Cristo" (Rm 1, 1). Sobressai mais uma vez em primeiro plano a idéia de
uma iniciativa de outrem, de Deus em Cristo Jesus , à qual se é totalmente
constrangido; mas, sobretudo ressalta-se o fato de que d'Ele se recebeu uma
missão a ser cumprida em seu nome, pondo absolutamente em segundo
lugar qualquer interesse pessoal.
A terceira característica é a prática do
"anúncio do Evangelho", com a consequente fundação de Igrejas. De fato,
o título de "apóstolo" não é nem pode ser título honorífico. Ele
compromete concreta e também dramaticamente toda a existência da pessoa
interessada. Na primeira Carta aos Coríntios, Paulo exclama: "Não
sou apóstolo? Não vi eu a Jesus Cristo, Nosso Senhor? Não sois vós a minha obra
no Senhor?" (9, 1). Analogamente na segunda Carta aos Coríntios
afirma: "Vós sois a nossa carta... uma carta de Cristo, redigida por
nós, e escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo" (3, 2-3).
Não nos admiramos,
então, se Crisóstomo fala de Paulo como de "uma alma de diamante" (Panegíricos, 1, 8), e prossegue
dizendo: "Assim como o fogo ateado a materiais diversos se fortalece
ainda mais..., assim a palavra de Paulo ganhava para a própria causa todos
aqueles com os quais se relacionava, e os que se lhe opunham, capturados pelos
seus discursos, tornavam-se um alimento para este fogo espiritual" (ibid., 7, 11). Isto explica por que
Paulo define os apóstolos como "colaboradores de Deus" (1 Cor 3, 9; 2 Cor 6, 1), cuja graça age com eles. Um elemento típico do
verdadeiro apóstolo, bem realçado por São Paulo, é uma espécie de identificação
entre Evangelho e evangelizador, ambos destinados à mesma sorte. De fato,
ninguém como Paulo evidenciou como o anúncio da cruz de Cristo parece
"escândalo e loucura" (1 Cor
1, 23), ao que muitos reagem com incompreensão e rejeição. Isto acontecia
naquele tempo, e não deve admirar que o mesmo aconteça também hoje. Deste destino,
de parecer "escândalo e loucura", participa, portanto o apóstolo e
Paulo sabem-o: é esta a experiência da sua vida. Aos Coríntios escreve,
com um tom de ironia: "De fato, parece-nos que Deus nos pôs a nós,
Apóstolos, no último lugar, como condenados à morte, porquanto nos tornamos espetáculo
para o mundo, para os anjos e para os homens. Nós somos loucos por causa de
Cristo, e vós, sábios em Cristo; nós somos fracos e vós, fortes; vós, nobres, e
nós desprezíveis. Há esta hora sofremos fome, sede e desnudez; somos
esbofeteados e andamos vagabundos, e cansamo-nos a trabalhar com as nossas
mãos. Amaldiçoados, bendizemos; perseguidos, suportamos; difamados, consolamos.
Tornámo-nos como o lixo do mundo, a escória de todos até
agora" (1 Cor 4,
9-13). É um auto-retrato da vida apostólica de São Paulo: em todos estes
sofrimentos prevalece a alegria de ser portador da bênção de Deus e da graça do
Evangelho.
Aliás, Paulo partilha
com a filosofia estóica do seu tempo a idéia de uma constância tenaz em todas
as dificuldades que se lhe apresentam; mas supera a perspectiva meramente
humanista, recordando o componente do amor de Deus e de Cristo:
"Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a
perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada? Conforme está
escrito: Por tua causa, sofremos a morte durante o dia inteiro; fomos
tomados por ovelhas destinadas ao matadouro. Mas, em tudo isto, somos nós mais
que vencedores por Aquele que nos amou. Porque estou certo que nem a morte, nem
a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as
potestades, nem a altura, nem a profundidade nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus , Nosso
Senhor" (Rm 8, 35-39). É
esta a certeza, a alegria profunda que guia o apóstolo Paulo em todas estas
vicissitudes: nada nos pode separar do amor de Deus. E este amor é a
verdadeira riqueza da vida humana.
Como se vê, São Paulo
tinha-se entregue ao Evangelho com toda a sua existência; poderíamos dizer
vinte e quatro horas por dia! E realizava o seu ministério com fidelidade e
alegria, "para salvar alguns a todo o custo" (1 Cor 9, 22). E em relação às Igrejas, mesmo sabendo que tinha
com elas uma relação de paternidade (cf. 1
Cor 4, 15), ou até de maternidade (cf. Gl 4, 19), assumia uma atitude de serviço total, declarando
admiravelmente: "Não porque pretendemos dominar a vossa fé:
queremos apenas contribuir para a vossa alegria" (2 Cor 1, 24). Eis a missão de todos os apóstolos de Cristo em todos
os tempos: ser colaboradores da verdadeira alegria.
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 10 de Setembro de 2008
Quarta-feira, 10 de Setembro de 2008
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