São Paulo (11):
A importância da Cristologia - A decisividade da ressurreição
Queridos irmãos e
irmãs!
"Se Cristo não
ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a vossa fé... ainda
estais nos vossos pecados" (1 Cor
15, 14.17). Com estas fortes palavras da primeira Carta aos Coríntios, São Paulo faz compreender que importância
decisiva ele atribui à ressurreição de Jesus. De facto, neste acontecimento
está a solução para o problema apresentado pelo drama da Cruz. Sozinha, a Cruz
não poderia explicar a fé cristã. Aliás permaneceria uma tragédia, indicação do
absurdo do ser. O mistério pascal consiste no fato de que aquele Crucificado
"ressuscitou ao terceiro dia segundo as Escrituras (1 Cor 15, 4) assim afirma a tradição protocristã. Encontra-se
aqui o fecho da abóbada da Cristologia paulina: tudo gira em volta deste
centro gravitacional. Todo o ensinamento do apóstolo Paulo parte do e chega sempre ao mistério d'Aquele que o Pai
ressuscitou da morte. A ressurreição é um acontecimento fundamental, quase um
axioma prévio (cf. 1 Cor 15,
12), com base no qual Paulo pode formular o seu anúncio (querigma) sintético: Aquele que foi crucificado, e que
assim manifestou o amor imenso de Deus pelo homem, ressuscitou e está vivo
entre nós.
É importante compreender
o vínculo entre o anúncio da ressurreição, do modo como Paulo o formula, e o
que é usado nas primeiras comunidades cristãs pré-paulinas. Nele pode-se ver a
importância da tradição que precede o Apóstolo e que ele, com grande respeito e
atenção, deseja por sua vez transmitir. O texto sobre a ressurreição, contido
no cap. 15, 1-11 da primeira Carta aos
Coríntios, realça bem o nexo entre "receber" e
"transmitir". São Paulo atribui muita importância à formulação
literal da tradição; no final do trecho em questão ressalta: "Tanto
eu como eles, eis o que pregamos" (1
Cor 15, 11), dando assim relevo à unidade do querigma, do anúncio para todos os crentes e para todos os que
anunciarem a ressurreição de Cristo. A tradição
à qual se refere é a fonte da qual haurir. A originalidade da sua Cristologia
nunca é em desvantagem da fidelidade à tradição. O querigma dos Apóstolos preside sempre à reelaboração pessoal de
Paulo; qualquer sua argumentação parte da tradição comum, na qual se expressa a
fé partilhada por todas as Igrejas, que são uma só Igreja. E assim São Paulo
oferece um modelo para todos os tempos sobre como fazer teologia e como rezar.
O teólogo, o pregador não cria novas visões do mundo e da vida, mas está ao
serviço da verdade transmitida, ao serviço do fato real de Cristo, da Cruz, da
ressurreição. A sua tarefa é ajudar-nos a compreender hoje, segundo as antigas
palavras, a realidade do "Deus conosco", portanto a realidade da
verdadeira vida.
É oportuno
esclarecer: São Paulo, ao anunciar a ressurreição, não se preocupa em apresentar
uma exposição doutrinal orgânica não quer escrever um manual de teologia mas
enfrenta o tema respondendo a dúvidas e perguntas concretas que lhe eram
apresentadas pelos fiéis; portanto, um discurso ocasional, mas cheio de fé e de
teologia vivida. Nele encontra-se uma concentração sobre o essencial: nós
fomos "justificados", ou seja, tornados justos, salvos, pelo Cristo morto e ressuscitado por nós.
Sobressai antes de tudo o fato
da ressurreição, sem o qual a vida cristã seria simplesmente absurda. Naquela
manhã de Páscoa aconteceu algo de extraordinário, de novo e, ao mesmo tempo, de
muito concreto, marcado por sinais muito claros, registrados por numerosas
testemunhas. Também para Paulo, como para os outros autores do Novo Testamento,
a ressurreição está ligada ao testemunho
de quem fez uma experiência direta do Ressuscitado. Trata-se de ver e de sentir
não só com os olhos ou com os sentidos, mas também com uma luz interior que
estimula a reconhecer o que os sentidos externos afirmam como dado objetivo.
Portanto Paulo como os quatro Evangelhos dá importância fundamental ao tema das
aparições, as quais são a
condição fundamental para a fé no Ressuscitado que deixou o túmulo vazio. Estes
dois fatos são importantes: o
túmulo está vazio e Jesus apareceu
realmente. Constituiu-se assim aquela cadeia da tradição que, através do
testemunho dos Apóstolos e dos primeiros discípulos, chegará às gerações
sucessivas, até nós. A primeira conseqüência, ou o primeiro modo de expressar
este testemunho, é pregar a ressurreição de Cristo como síntese do anúncio
evangélico e como ponto culminante de um itinerário salvífico. Paulo faz isto
em diversas ocasiões: podem-se consultar as Cartas dos Atos dos Apóstolos
onde se vê sempre que o ponto essencial para ele é ser testemunha da
ressurreição. Gostaria de citar só um texto: Paulo, feito prisioneiro em
Jerusalém, está diante do Sinédrio como acusado. Nesta circunstância na qual
está em questão para ele a morte ou a vida, ele indica qual é o sentido e o
conteúdo de toda a sua pregação: "É pela nossa esperança, a
ressurreição dos mortos, que estou a ser julgado" (Act 23, 6). Paulo repete continuamente nas suas Cartas esta
mesma frase (cf. 1 Ts 1,
9 s.; 4, 13-18; 5, 10), nas quais faz apelo também à sua experiência pessoal,
ao seu encontro pessoal com Cristo ressuscitado (cf. Gl 1, 15-16; 1 Cor 9,
1).
Mas podemos
perguntar-nos: qual é, para São Paulo, o sentido profundo do
acontecimento da ressurreição de Jesus? Que nos diz, à distância de dois mil
anos? A afirmação "Cristo ressuscitou" é atual também para nós? Por
que a ressurreição é para ele e para nós hoje um tema tão determinante? Paulo
responde solenemente a esta pergunta no início da Carta aos Romanos, onde começa referindo-se ao "Evangelho
de Deus... que diz respeito a seu Filho, nascido da estirpe de David segundo a
carne, estabelecido Filho de Deus com poder pela sua ressurreição dos
mortos" (Rm 1, 3). Paulo
sabe bem e diz muitas vezes que Jesus era Filho de Deus sempre, desde o momento
da sua encarnação. A novidade da ressurreição consiste no fato de que Jesus,
elevado da humildade da sua existência terrena, é constituído Filho de Deus
"com poder". O Jesus humilhado até à morte de cruz pode agora dizer
aos Onze: "Foi-me dada toda a autoridade sobre o céu e sobre a
terra" (Mt 28, 18).
Realiza-se o que diz o Salmo 2, 8: "Pede, e eu te darei as nações
como herança". Começa, portanto com a ressurreição o anúncio do Evangelho
de Cristo a todos os povos começa o Reino de Cristo, este novo Reino que não
conhece outro poder a não ser o da verdade e do amor. A ressurreição e a
extraordinária estrutura do Crucificado. Uma dignidade incomparável e
elevadíssima: Jesus é Deus!
Para São Paulo a identidade secreta de Jesus, ainda mais do que na encarnação,
revela-se no mistério da ressurreição. Enquanto o título de Cristo, isto é de
"Messias", "Ungido", em São Paulo tende a
tornar-se o nome próprio de Jesus e o do Senhor
especifica a sua relação pessoal com os crentes, agora o título de Filho de Deus ilustra a íntima relação
de Jesus com Deus, uma relação que se revela plenamente no acontecimento
pascal. Pode-se dizer, portanto, que Jesus ressuscitou para ser o Senhor dos
mortos e dos vivos (cf. Rm 14,
9; 2 Cor 5, 15) ou, por outras
palavras, o nosso Salvador (cf. Rm
4, 25).
Tudo isto está repleto
de importantes conseqüências para a nossa vida de fé: nós somos chamados
a participar até ao íntimo do nosso ser em toda a vicissitude da morte e da
ressurreição de Cristo. Diz o Apóstolo: "morremos com Cristo" e
cremos que "viveremos com Ele, sabendo que Cristo, uma vez ressuscitado de
entre os mortos, já não morre, a morte não tem mais domínio sobre ele" (Rm 6, 8-9). Isto traduz-se numa
partilha dos sofrimentos de Cristo, que anuncia aquela plena configuração com
Ele mediante a ressurreição pela qual aspiramos na esperança. E o que aconteceu
também a São Paulo, cuja experiência pessoal é descrita nas Cartas com tons tão prementes quanto
realistas: "para conhecê-lo, conhecer o poder da sua ressurreição e
a participação nos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte, para
ver se alcanço a ressurreição de entre os mortos" (Fl 3, 10-11; cf. 2 Tm
2, 8-12). A teologia da Cruz não é uma teoria é a realidade da vida cristã.
Viver na fé em Jesus
Cristo , viver a verdade e o amor obriga a renúncias todos os
dias, a sofrimentos. O cristianismo não é o caminho do conforto, mas antes uma
escalada exigente, mas iluminada pela luz de Cristo e pela grande esperança que
nasce d'Ele. Santo Agostinho diz: Aos cristãos não é poupado o sofrimento,
aliás, a eles cabe um pouco mais, porque viver a fé expressa a coragem de
enfrentar a vida e a história mais em profundidade. Contudo
só assim, experimentando o sofrimento, conhecemos a vida na sua profundidade,
na sua beleza, na grande esperança suscitada por Cristo crucificado e
ressuscitado. Portanto, o crente encontra-se situado entre dois pólos:
por um lado, a ressurreição que de certa forma já está presente e ativa em nós
(cf. Cl 3, 1-4; Ef 2, 6); por outro, a urgência de se
inserir naquele processo que leva todos e tudo à plenitude, descrita na Carta aos Romanos com uma imagem
ousada: assim como toda a criação geme e sofre como que dores de parto,
também nós gememos na expectativa da redenção do nosso corpo, da nossa redenção
e ressurreição (cf. Rm 8,
18-23).
Em síntese, podemos
dizer com Paulo que o verdadeiro crente obtém a salvação professando com a sua
boca que Jesus é o Senhor e
crendo com o seu coração que Deus
ressuscitou dos mortos (cf. Rm
10, 9). É antes de tudo importante o coração que crê em Cristo e na fé
"toca" o Ressuscitado; mas não é suficiente trazer a fé no coração,
devemos confessá-la e testemunhá-la com a boca, com a nossa vida, tornando
assim presente a verdade da cruz e da ressurreição na nossa história. Assim, de
fato, o cristão insere-se naquele processo graças ao qual o primeiro Adão,
terrestre e sujeito à corrupção e à morte, vai-se transformando no último Adão,
o celeste e incorruptível (cf. 1 Cor
15, 20-22.42-49). Este processo foi iniciado com a ressurreição de Cristo, na
qual se funda portanto a esperança de podermos um dia também nós entrar com
Cristo na nossa verdadeira pátria que está nos Céus. Amparados por esta
esperança prossigamos com coragem e com alegria.
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 5 de Novembro de 2008
Quarta-feira, 5 de Novembro de 2008
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