São Paulo (12):
Escatologia - A espera da parusia
Amados irmãos e
irmãs!
O tema da ressurreição,
sobre o qual nos detivemos na semana passada, abre uma nova perspectiva, a da
expectativa da vinda do Senhor, e por isso faz-nos refletir sobre a relação
entre o tempo presente, tempo da Igreja e do Reino de Cristo, e o futuro (éschaton) que nos espera, quando
Cristo entregará o Reino ao Pai (cf. 1
Cor 15, 24). Cada discurso cristão sobre as coisas derradeiras, chamado escatologia, parte sempre do
acontecimento da ressurreição: neste acontecimento as coisas derradeiras
já começaram e, num certo sentido, já estão presentes.
Provavelmente no ano 52
São Paulo escreveu a primeira das suas cartas, a primeira Carta aos Tessalonicenses, na qual
fala deste regresso de Jesus, chamado parusia,
advento, nova, definitiva e manifesta presença (cf. 4, 13-18). Aos
Tessalonicenses, que têm dúvidas e problemas, o Apóstolo escreve assim:
"Se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, assim também os que morreram em
Jesus, Deus há-de levá-los em sua companhia" (4, 14). E prossegue:
"em seguida nós, os vivos que estiverem lá, seremos arrebatados com eles
nas nuvens para o encontro com o Senhor, nos ares. E assim, estaremos para
sempre com o Senhor" (4, 16-17). Paulo descreve a parusia de Cristo com tonalidades vivas como nunca e com imagens
simbólicas, que contudo transmitem uma mensagem simples e profunda: o
nosso futuro é "estar com o Senhor"; como crentes, na nossa vida já
estamos com o Senhor; o nosso futuro, a vida eterna, já começou.
Na segunda Carta aos Tessalonicenses Paulo muda
de perspectiva; fala de acontecimentos negativos, que deverão preceder o final
e conclusivo. Não nos devemos deixar enganar diz como se o dia do Senhor fosse
deveras iminente, segundo um cálculo cronológico: "Quanto à vinda de
Nosso Senhor Jesus Cristo, e à nossa reunião com ele, rogamo-vos, irmãos, que
não percais tão depressa a serenidade de espírito, e não vos perturbeis nem por
palavra profética, nem por carta que se diga vir de nós, como se o dia do
Senhor já estivesse próximo. Não vos deixeis enganar de modo algum!" (2,
1-3). A continuação deste texto anuncia que antes da vinda do Senhor haverá a
apostasia e deverá ser revelado um não bem identificado "homem
iníquo" (2, 3), que a tradição chamará depois o Anticristo. Mas a intenção
desta Carta de São Paulo é antes de tudo prática; ele escreve:
"Quando estávamos entre vós, já vos demos esta ordem: quem não quer
trabalhar também não há-de comer. Ora, ouvimos dizer que alguns dentre vós
levam vida à-toa, muito atarefados sem nada fazer. A estas pessoas ordenamos e
exortamos, no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na tranqüilidade, para ganhar
o pão com o próprio esforço" (3, 10-12). Noutras palavras, a expectativa
da parusia de Jesus não
dispensa do compromisso neste mundo, mas ao contrário cria responsabilidade
face ao Juiz divino acerca do nosso agir neste mundo. Precisamente assim cresce
a nossa responsabilidade de trabalhar em
e para este mundo. Veremos a
mesma coisa no próximo domingo no Evangelho dos talentos, onde o Senhor nos diz
que confiou talentos a todos e o Juiz pedirá contas por eles dizendo:
Fizeste-los frutificar? Portanto a espera da vinda exige responsabilidade por
este mundo.
A mesma coisa e o mesmo
nexo entre parusia vinda do
Juiz/Salvador e o nosso compromisso na vida aparece noutro contexto e com novos
aspectos na Carta aos Filipenses. Paulo
está na prisão e espera a sentença que pode ser de condenação à morte. Nesta
situação pensa no seu futuro estar com o Senhor, mas pensa também na comunidade
de Filipos que tem necessidade do próprio pai, de Paulo, e escreve:
"Pois para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro. Mas, se o viver na
carne me dá ocasião de trabalho frutífero, não sei bem o que escolher. Sinto-me
num dilema: o meu desejo é partir e estar com Cristo, pois isso me é
muito melhor, mas o permanecer na carne é mais necessário por vossa causa.
Convencido disso, sei que ficarei e continuarei com todos vós, para proveito
vosso e para alegria da vossa fé, a fim de que, por mim pelo meu regresso entre
vós aumente a vossa glória em
Cristo Jesus " (1, 21-26). Paulo não tem medo da morte,
ao contrário: de facto ela indica o ser completo com Cristo. Mas Paulo
participa também dos sentimentos de Cristo, o qual não viveu para si, mas para
nós. Viver para os outros torna-se o programa da sua vida e por isso demonstra
a sua perfeita disponibilidade à vontade de Deus, ao que Deus decidir. É
disponível sobretudo, também no futuro, a viver nesta terra para os outros, a
viver para Cristo, a viver para a sua presença viva e assim pela renovação do
mundo. Vemos que este seu ser com Cristo gera uma grande liberdade
interior: liberdade diante da ameaça da morte, mas liberdade também
diante de todos os compromissos e sofrimentos da vida. Está simplesmente
disponível para Deus e é realmente livre.
Passemos agora, depois
de ter examinado os diversos aspectos da expectativa da parusia de Cristo, a interrogar-nos: quais são as atitudes
fundamentais do cristão em relação às coisas derradeiras: a morte, o fim
do mundo? A primeira atitude é a certeza de que Jesus ressuscitou, está com o
Pai, e precisamente assim está conosco. Por isso temos a certeza, somos
libertados do receio. Era este um efeito essencial da pregação cristã. O medo
dos espíritos, das divindades estava difundido em todo o mundo antigo. E também
hoje os missionários, juntamente com tantos elementos bons das religiões
naturais, têm medo dos espíritos, dos poderes nefastos que nos ameaçam. Cristo
vive, venceu a morte e venceu todos os poderes. Vivemos com esta certeza, com
esta liberdade, com esta alegria. É este o primeiro aspecto do nosso viver em
relação ao futuro.
Em segundo lugar, a
certeza que Cristo está comigo. E como em Cristo o mundo futuro já começou,
isto dá também a certeza da esperança. O futuro não é uma escuridão na qual
ninguém se orienta. O cristão sabe que a luz de Cristo é mais forte e por isso
vive numa esperança não vaga, numa esperança que dá certeza e coragem para
enfrentar o futuro.
Por fim, a terceira
atitude. O Juiz que volta é ao mesmo tempo juiz e salvador deixou-nos o
compromisso de viver neste mundo segundo o seu modo de viver. Confiou-nos os
seus talentos. Por isso a nossa terceira atitude é: responsabilidade pelo
mundo, pelos irmãos diante de Cristo, e ao mesmo tempo também certeza da sua
misericórdia. As duas coisas são importantes. Não vivamos como se o bem e o mal
fossem iguais, porque Deus só pode ser misericordioso. Isto seria um engano. Na
realidade, vivemos numa grande responsabilidade. Temos os talentos, somos
encarregados de trabalhar para que este mundo se abra a Cristo, seja renovado.
Mas mesmo trabalhando e sabendo na nossa responsabilidade que Deus é juiz verdadeiro,
temos também a certeza de que este juiz é bom, conhecemos o seu rosto, o rosto
de Cristo ressuscitado, de Cristo crucificado por nós. Por isso podemos ter a
certeza da sua bondade e ir em frente com muita coragem.
Outro aspecto do
ensinamento paulino em relação à escatologia é a universalidade da chamada à fé, que reúne Judeus e Gentios, isto
é, os pagãos, como sinal e antecipação
da realidade futura, pelo que podemos dizer que já estamos sentados no
céu com Jesus Cristo, mas para mostrar nos séculos futuros a riqueza da graça
(cf. Ef 2, 6s): o depois faz-se um antes para tornar evidente o estado
de realização incipiente no qual vivemos. Isto torna toleráveis os sofrimentos
do momento presente, que contudo não são comparáveis com a glória futura (cf. Rm 8, 18). Caminha-se na fé e não na
visão, e mesmo sendo preferível ser exilado do corpo e habitar com o Senhor, o
que conta definitivamente, habitando no corpo ou saindo dele, é sermos-Lhe
agradáveis (cf. 2 Cor 5, 7-9).
Por fim, um último
aspecto que talvez pareça difícil para nós. São Paulo na conclusão da sua
primeira Carta aos Coríntios
repete e coloca nos lábios também dos Coríntios uma oração que surgiu nas
primeiras comunidades cristãs da área da Palestina: Maraná, thá!, que literalmente
significa "Vinde, Senhor Jesus!" (16, 22). Era a oração da primeira
cristandade, e também o último livro do Novo Testamento, o Apocalipse, termina
com esta oração: "Vinde, Senhor!". Podemos, também nós, rezar
assim? Parece-me que para nós hoje, na nossa vida, no nosso mundo, é difícil
rezar sinceramente para que este mundo pereça, para que venha a nova Jerusalém,
para que cheguem o juízo derradeiro e o juiz, Cristo. Penso que se nós não
ousarmos rezar assim sinceramente por muitos motivos, contudo de modo justo e correto
podemos também nós dizer, com a primeira cristandade: "Vinde, Senhor
Jesus!". Certamente não queremos que venha agora o fim do mundo. Mas, por
outro lado, também queremos que termine este mundo injusto. Queremos também nós
que o mundo seja fundamentalmente mudado, que comece a civilização do amor, que
venha um mundo de justiça, de paz, sem violência, sem fome. Queremos tudo
isto: e como poderia acontecer sem a presença de Cristo? Sem a presença
de Cristo nunca chegará um mundo realmente justo e renovado. E também se de
outra forma, totalmente e em profundidade, podemos e devemos dizer também nós,
com grande urgência e nas circunstâncias do nosso tempo: Vinde, Senhor
Jesus! Vinde ao vosso modo, da maneira que conheceis. Vinde onde há injustiça e
violência. Vinde nos campos dos prófugos, no Darfur, no Kivu-Norte, em tantas
partes do mundo. Vinde onde domina a droga. Vinde também entre aqueles ricos
que vos esqueceram, que vivem só para si mesmos. Vinde onde sois desconhecido.
Vinde à vossa maneira e renovai o mundo de hoje. Vinde também aos nossos
corações, vinde e renovai o nosso viver, vinde ao nosso coração para que nós
próprios possamos tornar-nos luz de Deus, vossa presença. Neste sentido rezemos
com São Paulo: Maraná thá!
"Vinde, Senhor Jesus!", e oremos para que Cristo esteja realmente
presente hoje no nosso mundo e o renove.
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008
Quarta-feira, 12 de Novembro de 2008
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