São Paulo (16):
O papel dos Sacramentos
Prezados irmãos e
irmãs!
Seguindo São Paulo,
vimos na catequese
de quarta-feira passada duas coisas. A primeira é a que a nossa história
humana dos inícios está maculada pelo abuso da liberdade criada, que tenciona
emancipar-se da Vontade divina. E assim não encontra a verdadeira liberdade,
mas opõe-se à verdade e falsifica, portanto, as nossas realidades humanas.
Falsifica sobretudo as relações fundamentais: com Deus, entre o homem e a
mulher, entre o homem e a terra. Dissemos que esta mancha da nossa história se
difunde em todo o tecido e que este defeito herdado foi aumentando e agora é
visível em toda a parte. Esta era a primeira coisa. A segunda é esta: de
São Paulo aprendemos que existe um novo início na história e da história
em Jesus Cristo ,
Aquele que é homem e Deus. Com Jesus, que vem de Deus, começa uma nova história
formada pelo seu sim ao Pai, por isso fundada não na perspectiva de uma falsa
emancipação, mas no amor e na verdade.
Mas agora apresenta-se a
questão: como podemos entrar neste novo início, nesta nova história? Como
chega até mim esta nova história? Com a primeira história maculada estamos
inevitavelmente ligados pela nossa descendência biológica, dado que todos nós
pertencemos ao único corpo da humanidade. Mas como se realiza a comunhão com
Jesus, o novo nascimento para começar a fazer parte da nova humanidade? Como
chega Jesus à minha vida, ao meu ser? A resposta fundamental de São Paulo, de
todo o Novo Testamento é: chega por obra do Espírito Santo. Se a primeira
história começa, por assim dizer, com a biologia, a segunda começa no Espírito
Santo, o Espírito de Cristo ressuscitado. Este Espírito criou no Pentecostes o
início da nova humanidade, da nova comunidade, a Igreja, o Corpo de Cristo.
Porém, temos que ser
ainda mais concretos: como pode tornar-se este Espírito de Cristo o
Espírito Santo, meu Espírito? A resposta é que isto acontece de três modos,
íntima e reciprocamente interligados. O primeiro é este: o Espírito de
Cristo bate à porta do meu coração, toca-me interiormente. Mas dado que a nova
humanidade deve ser um verdadeiro corpo, porque o Espírito deve reunir-nos e realmente
criar uma comunidade, porque é característico do novo início a superação das
divisões e a criação da agregação dos dispersos, este Espírito de Cristo
serve-se de dois elementos de agregação visível: da Palavra do anúncio e
dos Sacramentos, de modo particular do Batismo e da Eucaristia. Na Carta aos Romanos, São Paulo
diz: "Se com a tua boca confessares o Senhor Jesus e no teu coração
acreditares que Deus O ressuscitou dentre os mortos, serás salvo" (10, 9),
ou seja, entrarás na nova história, história de vida e não de morte. Depois,
São Paulo continua: "Mas como invocarão Aquele em quem não
acreditaram? Como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? Como
ouvirão, se ninguém lhes anunciar? E como O anunciarão, se não forem enviados?"
(Rm 10, 14-15). Num trecho
sucessivo, diz ainda: "A fé vem da escuta" (cf. Rm 10, 17). A fé não é produto do
nosso pensamento, da nossa reflexão, é algo de novo que não podemos inventar,
mas somente receber como uma novidade produzida por Deus. E a fé não vem da leitura,
mas da escuta. Não é algo somente interior, mas uma relação com Alguém. Supõe
um encontro com o anúncio, supõe a existência do outro que anuncia e cria
comunhão.
E finalmente, o
anúncio: aquele que anuncia não fala por si, mas é enviado. Está dentro
de uma estrutura de missão que começa com Jesus enviado pelo Pai, passa aos
apóstolos a palavra apóstolos significa "enviados" e continua no
ministério, nas missões transmitidas pelos apóstolos. O novo tecido da história
aparece nesta estrutura das missões, na qual ultimamente ouvimos falar o
próprio Deus, a sua Palavra pessoal, o Filho que fala conosco, chega até nós. A
Palavra fez-se carne, Jesus, para criar realmente uma nova humanidade. Por
isso, a palavra do anúncio torna-se Sacramento no Batismo, que é renascimento
da água e do Espírito, como dirá São João. No capítulo 6 da Carta aos Romanos, São Paulo fala de
modo muito profundo do Batismo. Ouvimos o texto. Mas talvez seja útil
repeti-lo: "Ignorais, porventura, que todos nós que fomos batizados em Jesus Cristo , fomos batizados
na sua morte? Por meio do Batismo,
portanto, fomos sepultados juntamente com Ele na morte para
que, como Cristo ressuscitou dos mortos mediante a glória do Pai, assim também
nós possamos caminhar numa vida nova" (6, 3-4).
Nesta catequese,
naturalmente, não posso entrar numa interpretação pormenorizada deste texto não
fácil. Gostaria de fazer notar brevemente só três coisas. A primeira:
"fomos batizados" é uma forma passiva. Ninguém pode baptizar-se a si
mesmo, pois tem necessidade do outro. Ninguém pode tornar-se cristão por si
próprio. Tornar-se cristão é um processo passivo. Somente podemos tornar-nos
cristãos por meio de outro. E este "outro" que nos faz cristãos, que
nos oferece o dom da fé, é em primeiro lugar a comunidade dos fiéis, a Igreja.
Da Igreja recebemos a fé, o Baptismo. Sem nos deixarmos formar por esta
comunidade, não nos tornamos cristãos. Um cristianismo autônomo, autoproduzido,
é uma contradição em si. Em
primeiro lugar, este outro é a comunidade dos fiéis, a Igreja, mas em segundo
lugar também esta comunidade não age sozinha, segundo as próprias idéias e
aspirações. Também a comunidade vive no mesmo processo passivo: somente
Cristo pode constituir a Igreja. Cristo é o verdadeiro doador dos Sacramentos.
Este é o primeiro ponto: ninguém se batiza a si mesmo, e
ninguém se torna cristão por si próprio. Nós
tornamo-nos cristãos.
A segunda coisa é
esta: o Batismo é mais que um lavacro. É morte e ressurreição. O próprio
Paulo, falando na Carta aos Gálatas da
transformação da sua vida que se realizou no encontro com Cristo ressuscitado,
descreve-a com estas palavras: estou morto. Nesse momento começa
realmente uma nova vida. Tornar-se cristão é mais que uma operação cosmética,
que acrescentaria algo de bonito a uma existência já mais ou menos completa. É
um novo início, é o renascimento: morte e ressurreição. Obviamente, na
ressurreição renasce aquilo que era bom na existência precedente.
A terceira coisa
é: a matéria faz parte do Sacramento. O cristianismo não é uma realidade
puramente espiritual. Implica o corpo. Implica o cosmos. Estende-se para a nova
terra e nos novos céus. Voltemos às últimas palavras do texto de São Paulo.
Assim diz ele podemos "caminhar numa vida nova". Elemento de um exame
de consciência para todos nós: caminhar numa nova vida. Isto pelo Batismo.
Agora consideremos o
Sacramento da Eucaristia. Já mostrei noutras catequeses com que respeito
profundo São Paulo transmite verbalmente a tradição sobre a eucaristia, que
recebeu das mesmas testemunhas da última noite. Transmite estas palavras como
um precioso tesouro confiado à sua fidelidade. E assim ouvimos nestas palavras
realmente as testemunhas da última noite. Ouçamos as palavras do
Apóstolo: "Eu recebi do Senhor aquilo que também vos
transmiti: que o Senhor Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão
e, depois de dar graças, partiu-o e disse: "Isto é o meu corpo, que
será entregue por vós; fazei isto em memória de mim". Do mesmo modo,
depois de cear, tomou o cálice e disse: "Este cálice é a Nova
Aliança no meu sangue: todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória
de mim"" (1 Cor 11,
23-25). É um texto inesgotável. Também aqui, nesta catequese, somente duas
breves observações. Paulo transmite assim as palavras do Senhor sobre o
cálice: este cálice é "a Nova Aliança do meu sangue". Nestas
palavras esconde-se uma referência a dois textos fundamentais do Antigo
Testamento. A primeira referência é à promessa de uma nova aliança, no Livro do profeta Jeremias. Jesus diz
aos discípulos e também a nós: agora, nesta hora, comigo e com a minha
morte, realiza-se a nova aliança; do meu sangue começa no mundo esta nova
história da humanidade. Mas nestas palavras está também presente uma referência
ao momento da aliança do Sinai, onde Moisés dissera: "Este é o
sangue da aliança, que o Senhor estabeleceu convosco, mediante todas estas
palavras" (Êx 24, 8). Ali,
tratava-se de sangue de animais. O sangue dos animais somente podia ser
expressão de um desejo, espera do verdadeiro sacrifício, do verdadeiro culto.
Com o dom do cálice, o Senhor oferece-nos o verdadeiro sacrifício. O único
sacrifício verdadeiro é o amor do Filho. É com a dádiva deste amor, do amor
eterno, que o mundo entra na nova aliança. Celebrar a Eucaristia significa que
Cristo se entrega a si mesmo, o seu amor, para nos conformar consigo e para
criar assim um mundo novo.
O segundo aspecto
importante da doutrina sobre a eucaristia aparece na mesma primeira Carta aos Coríntios, onde São Paulo
diz: "O cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue
de Cristo? E o pão que partimos não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez
que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos
nós participamos do mesmo pão" (10, 16-17). Nestas palavras manifestam-se
igualmente o caráter pessoal e a índole social do Sacramento da Eucaristia.
Cristo une-se pessoalmente a cada um de nós, mas é o próprio Cristo que se une
também ao homem e à mulher que estão ao meu lado. E o pão é para mim e também para
o outro. Assim Cristo une todos nós a si mesmo e une-nos todos uns aos outros.
Na comunhão recebemos Cristo. Mas Cristo une-se de igual modo ao meu
próximo: Cristo e o próximo são inseparáveis na Eucaristia. E assim todos
nós somos um só pão, um só corpo. Uma Eucaristia sem solidariedade com os
outros é uma Eucaristia abusada. E aqui estamos também na raiz e ao mesmo tempo
no centro da doutrina sobre a Igreja como Corpo de Cristo, de Cristo
ressuscitado.
Vejamos também todo o
realismo desta doutrina. Na Eucaristia, Cristo entrega-nos o seu corpo, doa-se
a si mesmo no seu corpo e assim faz-nos seu corpo, une-nos ao seu corpo
ressuscitado. Se o homem come o pão normal, este pão no processo da digestão
torna-se parte do seu corpo, transformado em substância de vida humana. Mas na
sagrada Comunhão realiza-se o processo oposto. Cristo, o Senhor, assimila-nos a
si, introduz-nos no seu Corpo glorioso e assim todos juntos nos tornamos seu
Corpo. Quem lê somente o cap. 12 da primeira Carta aos Coríntios e o cap. 12 da Carta aos Romanos, poderia pensar que a palavra sobre o Corpo de
Cristo como organismo dos carismas é apenas uma espécie de parábola
sociológico-teológica. Realmente, na politologia romana esta parábola do corpo
com diversos membros que formam uma unidade era usada para o próprio Estado,
para dizer que o Estado é um organismo em que cada qual tem a sua função, a
multiplicidade e diversidade das funções formam um corpo e cada um tem o seu
lugar. Lendo somente o cap. 12 da primeira Carta aos Coríntios, poder-se-ia pensar que Paulo se limita a
transferir apenas isto à Igreja, que também aqui se trata só de uma sociologia
da Igreja. Mas tendo em consideração este capítulo 10, vemos que o realismo da
Igreja é bem diferente, muito mais profundo e verdadeiro que o de um
Estado-organismo. Porque realmente Cristo doa o seu corpo e faz de nós o seu
corpo. Tornamo-nos realmente unidos ao corpo ressuscitado de Cristo e, assim,
unidos uns aos outros. A Igreja não é somente uma corporação como o Estado, mas
é um corpo. Não é simplesmente uma organização, mas um verdadeiro organismo.
No final, só uma
brevíssima palavra sobre o Sacramento do matrimônio. Na Carta aos Coríntios encontram-se só algumas referências,
enquanto a Carta aos Efésios desenvolveu
realmente uma profunda teologia do Matrimônio. Aqui Paulo define o Matrimônio
como "grande mistério". Di-lo "com referência a Cristo e à sua
Igreja" (5, 32). Neste trecho há que ressaltar uma reciprocidade que se
configura numa dimensão vertical. A submissão recíproca deve adotar a linguagem
do amor, que tem o seu modelo no amor de Cristo pela Igreja. Esta relação
Cristo-Igreja torna primário o aspecto teologal do amor matrimonial, exalta o
relacionamento afetivo entre os esposos. Um matrimônio autêntico será bem vivido,
se no constante crescimento humano e afetivo se revigorar para permanecer
sempre vinculado à eficácia da Palavra e ao significado do Batismo. Cristo
santificou a Igreja, purificando-a por meio do lavacro da água, acompanhado
pela Palavra. A participação no corpo e sangue do Senhor somente consolida,
além de tornar visível, uma união tornada indissolúvel pela graça.
E no final ouvimos a
palavra de São Paulo aos Filipenses: "O Senhor está próximo"
(4, 5). Parece-me que compreendemos que, mediante a Palavra e os Sacramentos,
em toda a nossa vida o Senhor está próximo. Oremos a Ele a fim de podermos ser
cada vez mais sensibilizados no íntimo do nosso ser por esta sua
proximidade, para que nasça a alegria aquela
alegria que brota quando Jesus está realmente
próximo.
PAPA BENTO XVI
AUDIÊNCIA GERAL
Quarta-feira, 10 de
Dezembro de 2008
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