Diário Espiritual
DE
Santo
Inácio de Loyola
O Diário
Espiritual de Santo Inácio nos convida a seguir, por mais de um ano (2 de
fevereiro de 1544 a 27 de fevereiro de 1545), os movimentos mais secretos da
alma de um santo. Mais felizes que o Pe. Gonçalves da Câmara, o confidente a
quem Inácio recusou comunicá-lo, nós hoje podemos ler esse Diário que tanto mais
transtorna nossos conceitos quanto mais esclarece, com luz inesperada, a
fisionomia do autor dos Exercícios Espirituais.
Diário? A
palavra é muito imprópria. “Sentimentos
internos de alma” escreveu alguém na página de título do autógrafo. Com efeito,
não se trata de um diário, onde se escreveriam acontecimentos para alegria dos
biógrafos, mas desta trama frágil e quase inapreensível que tenta, por meio das
palavras, fixar os movimentos que o Espírito de Deus imprime a uma alma, o
vestígio de sua passagem, misterioso e desconcertante como o vento, a
palpitação da vida divina através da sensibilidade e vontade humana.
“A maneira que
ele empregava ao escrever As
Constituições da Companhia de Jesus, era celebrar cada dia a missa e
apresentar a Deus o ponto tratado, tendo oração sobre ele: e sempre fazia
oração e celebrava a missa com lágrimas” (Autobiografia 101). No curso dos 13
meses em que se entende o fragmento do Diário que no ficou, temos muitos
exemplos desta meditação incessante, erguida para Deus como questão e oblação,
para se mover depois como ocasião e ação. (M. Giuliani, S. J. Introd. PP.
9-10).
introdução
Os
primeiros Jesuítas, reunidos em Paris por Santo Inácio, tendo acabado seus
estudos na Sorbona, vieram para a Itália, com a intenção de partirem de Veneza
para a Terra Santa, conforme seu voto. Não o podendo realizar, por falta de
navio naquele ano de 1537-1538, apresentaram-se ao Papa Paulo III para que os
empregasse no serviço de Deus, segundo a promessa feita.
Em Roma
deliberaram e resolveram que continuariam unidos e para isso constituíram Ordem
Religiosa, sob a obediência de um superior. Determinaram em conjunto os pontos
essenciais do novo Instituto, que chamariam Companhia de Jesus. Aprovado pelo
Papa em 1540, procederam à eleição do Superior Geral, resultando eleito Inácio
de Loyola.
Não sendo
possível reter o grupo em Roma, porque o Papa os destinava a diversas missões
na Europa e fora dela, nomearam Inácio e um dos primeiros companheiros, João
Coduri, para continuarem o trabalho de redação das Constituições. Em 1542
falecia João Coduri, e Inácio continuava sozinho essa tarefa.
1ª Descrição do Códice e sua História
Em princípios de 1544, estudava Santo Inácio qual deveria
ser a pobreza da Companhia de Jesus, ponto já visto rapidamente pelo grupo.
Este período se caracterizou por grandes graças e comunicações celestes, que
ele descreveu, dia por dia. Num 1º caderno,
que vai de 2 de fevereiro a 12 de março de 1544: são 40 dias, consignados em 14
folhas ou 28 páginas autógrafas, sobre sentimentos íntimos na questão da
pobreza das igrejas da Companhia, a respeito de poderem ter rendas fixas ou
não. Num 2º caderno vai de 13 de
março a 27 de fevereiro de 1545: são 12 folhas ou 24 páginas também autógrafas,
que apontam, com muito mais brevidade, quase um ano inteiro de movimentos de
alma, sobre diversas matérias das mesmas Constituições, que Inácio continuava a
estudar e escrever. 1ª questão era sobre as Missões, a que o Papa e o Superior
da Companhia podem mandar os Jesuítas. Nela o Santo se demorou dois meses, de
17 de março a 17 de maio.
Isto que chamamos Diário, que começa e termina abruptamente,
abrangia certamente outros cadernos e se estendia por outros anos, porque o
maço que Inácio mostrou ao Pe. Luiz Gonçalves da Câmara em 1555 era bastante
grande. Perderam-se ou o Santo os destruiu, pois não se destinavam ao público,
nem sequer ao restrito da sua Companhia, mas eram anotações íntimas, um
memorial das graças recebidas de Deus, que queria ter diante dos olhos para as
agradecer continuamente à divina bondade.
2ª conteúdo do Códice
O Diário é o escrito que
mais profundamente nos introduz na alma de Santo Inácio. Só se fala das moções
de Deus em favor de seu espiritual. Começa por colocar-nos
diante dos olhos uma eleição no método dos exercícios Espirituais, não em
teoria, mas na prática: como ele é levado por Deus a eleger uma pobreza radical
também para as Igrejas da Companhia. Observa o que prescreve seu livro dos
Exercícios sobre os dois tempos de eleição: usa da razão humana para descobrir
os motivos que o inclinarão para tal pobreza e seus contrários, e espera a
iluminação de Deus na oração, principalmente eucarística, que virá dissipar as
últimas dúvidas sobre a escolha feita. Conserva-se o escrito autógrafo, em que
Santo Inácio enumerou as razões pró e contra essa pobreza, que colocamos em
apêndice nesta edição.
Põem-se em jogo todas as faculdades humanas, a inteligência,
a vontade, a imaginação e a sensibilidade, numa introspecção atenta e
penetrante; e no tempo da oração, usa-se da intercessão da SSm.ª Virgem e de
Jesus homem, para se chegar ao Pai e n’Ele às Pessoas divinas em sua essência e
relações íntimas.
O Diário proporcionou a seus leitores a maior surpresa na
descoberta de uma mística singular,
cujos segredos não foram ainda suficientemente estudados. Enquanto o livro dos
Exercícios Espirituais é um tratado prático de ascética, o Diário nos desvenda o fruto mais precioso desse esforço, numa
elevação concedida gratuitamente por Deus ao mais alto grau de união mística
com Trindade Santíssima. Assinalam-se como pontos essenciais da mística
inaciana, a visão simples e intuitiva das coisas celestes.
São três as suas maiores características:
v É uma mística Trinitária,
em que são revelados a Inácio os grandes mistérios da unidade e trindade de Deus.
v É uma mística Eucarística,
tudo se realiza em torno da Eucaristia, nas orações preparatórias do despertar,
do quarto e da capela antes da missa, durante o Sacrifício, depois dele na ação
de graças e mesmo durante o dia como um prolongamento eucarístico.
v É uma mística de serviço de amor e não
tanto de união de amor, pois o Santo não desfruta simplesmente
de Deus possuído, mas com Ele possuído se volta inteiramente em favor dos
homens, imagens de Deus, amando-os n’Ele para os salvar.
A vida de oração de Santo Inácio
DE NOSSA SENHORA - Sábado [2 de
fevereiro]. Abundância de devoção na Missa, lágrimas e crescida
confiança em Nossa Senhora. Então e por todo o dia, mais inclinado a não ter
nada.
Ø Comentário:
Às anotações de cada dia o Santo costuma antepor a indicação da Missa celebrada,
ora de Nossa Senhora, ora do Nome de Jesus, ora da SSma. Trindade, ora do dia
do Domingo. Toda a sua vida mística gira em torno da Eucaristia. (Larr. BAC.
683).
DA TRINDADE - Quinta-feira
[7 de fevereiro]. Antes da Missa, muita abundância de devoção e lágrimas. Por
todo o dia, calor e devoção notável (até a noite). Sempre mais firme e movido a
não ter nada. Ao tempo da missa, impressão de ter um acesso notável, com bmuita
devoção e moção interior, para rogar ao Pai; parecia-me que os dois Mediadores,
tinham intercedido, com algum sinal de vê-lo.
Ø Comentário: É
o Tríplice colóquio tão comum nos Exercícios: pela Mãe ir ao Filho, e pelo
Filho ao Pai. Um traço vertical grosso ou dois, ao depois, correspondem a um
sinal de S. Inácio posto á margem do manuscrito (duas linhas verticais cruzadas
por uma horizontal); parece indicar visão sobrenatural (Cod. MHSJ s. 3,88).
DE JESUS - Sexta-feira [8
de fevereiro]. Após notável devoção, fiquei em oração e lágrimas. Desde a
preparação e durante a Missa, muita abundância de devoção e igualmente
lágrimas, parando nas palavras, quando era possível. Sempre no desejo de não
ter nada.
Logo depois da Missa, devoção, não sem lágrimas. Examinei as
eleições por hora e meia ou mais. Apresentava-me o que me parecia melhor por
razões ou por maior moção da vontade, a
saber, não ter renda alguma. Querendo apresentar ao Pai, por mediação e
rogos da Mãe e do Filho, fiz primeiro oração a ela, para que me ajudasse com
seu Filho e com o Pai. Depois orei ao Filho me ajudasse com o Pai em companhia
da Mãe. Então senti em mim um ir ou ser
levado perante o Pai, e neste andar, levantarem-se-me os cabelos e mover-se
todo o corpo, à maneira de ardor notabilíssimo. Como consequência disso,
lágrimas e devoção intensíssima.
Ø Comentário: “ter
alguma parte de renda”, neste caso, “lhe causava confusão”. É quase a mesma
frase de Santa Teresa: “Outra vez me disse o Senhor que na renda estava a
confusão, e outras coisas em louvor da pobreza, assegurando-me que não lhe
faltaria o necessário a quem o servia”. (Autobiogr. 35 BMC I, 289) apud Larr.
(BAC 24, 685).
DO ESPÍRITO SANTO - Segunda-feira
[11 de fevereiro]. Em meio da oração costumada, sem eleições, me pus a oferecer
ou rogar a Deus Nosso Senhor, que a oblação passada fosse por sua divina
Majestade. Bastante devoção e lágrimas. Depois, um espaço adiante, colóquios
com o Espírito Santo para celebrar sua missa, com a mesma devoção e lágrimas.
Parecia-me vê-lo e senti-lo em caridade espessa ou em cor de chama de fogo, de
modo insólito. Em todo isso me confirmava a eleição feita.
Ø Comentário: Esta
anotação do Diário nos revela o papel que representa a teologia do Espírito
Santo na vida interior trinitária de S. Inácio (Larr. 689). Sua manifestação
firma a eleição feita e parece completá-la. Mas o Santo não se dá por
satisfeito, enquanto não se declaram as três Pessoas divinas e assim continua
na expectativa (Giul. 52).
Em seguida, para refletir e entrar pelas eleições decidido,
tomei a lista com as razões escritas, para discorrer por elas, fazendo oração a
Nossa Senhora, depois ao Filho e ao Pai, para que me deem seu Espírito, para
refletir e para discernir. Embora falasse já como de assunto acabado, sentindo
bastante devoção e certas inteligências com certa clareza de vista, me
assentei, olhando de relance o ter todo, em parte ou nada, e me vinha o desejo
de não considerar mais razões algumas. Nisto vieram-me outras inteligências, a
saber como o Filho antes enviou os Apóstolos a pregar em pobreza; e depois, o
Espírito Santo, dando seu espírito e línguas, os confirmou: assim o Pai e o
Filho, enviando o Espírito Santo, todas as três Pessoas confirmaram tal missão.
Com isto entrou em mim maior devoção, e foi-se-me todo
desejo de considerar mais este assunto. Com lágrimas e soluços, de joelhos, fiz
a oblação de não ter nada ao Pai. Tantas lágrimas pelo rosto abaixo e soluços,
de joelhos, ao fazer a oração e depois, que quase não me pude levantar, de
tantos soluços e lágrimas da devoção e da graça que recebia. Finalmente me
levantei, e levantando, acompanhava-me ainda a devoção com os soluços. Eles me
vinham, por ter feito a oblação de não ter nada, dando-a por confirmada e
válida etc.
Depois, daí a um pedaço, andando e recordando-me do que
passara, nova moção interior para a devoção e lágrimas. Daí a outro pedaço, ao
sair para a missa, antes da breve oração, devoção intensa e lágrimas, ao sentir
ou ver de certo modo o Espírito Santo, e o assunto da eleição como acabado. Não
pude ver nem sentir a nenhuma das outras Pessoas divinas. Em seguida, na
capela, antes da missa e durante ela, abundância de devoção e lágrimas. Depois,
grande tranquilidade e segurança de alma, como quem cansado descansa com muito
repouso. Vontade de não buscar nem querer coisa alguma, considerando o assunto
por acabado, só aceitando dar graças, por devoção ao Pai e à missa da Trindade,
como antes pensara celebrá-la terça-feira de manhã.
Ø Comentário: Nesta
sua experiência Inácio menciona até oito vezes as lágrimas deste dia,
acompanhada duas vezes de soluços. Confirmada a eleição, só pensa em continuar
para dar graças a Deus, no dia seguinte, como resolvera, “por devoção à SSma.
Trindade e à sua Missa.
DE NOSSA SENHORA NO TEMPLO:
SIMEÃO – Quinta-feira [15 de fevereiro]. À
primeira oração, ao nomear o Pai Eterno, vinha-me uma sensível doçura interior
e se prolongava, não sem moção de lágrimas. Mais adiante, bastante devoção,
tornando-se até o fim muito maior, sem se descobrirem os Mediadores nem as
Pessoas Divinas. Depois, ao sair para a Missa, começando a oração, sentia e
representava-me Nossa Senhora, e quanto havia faltado o dia passado, não sem
moção de alma e de lágrimas. Parecia-me ter envergonhado a Nossa Senhora em
rogar por mim tantas vezes por tantas minhas, tanto que se me escondia Nossa
Senhora e não encontrava devoção nem nela nem mais acima. Daí a pouco, como não
achava Nossa Senhora, busquei acima e veio-me grande moção de lágrimas e
soluços, com certa visão e sentimento de que o Pai celestial se me mostrava propício
e doce, a tal ponto que dava sinal de lhe agradar fosse rogado por Nossa
Senhora, a qual eu não podia ver.
Ao preparar o altar, depois de
paramentado e na missa, com as muito grandes moções interiores, abundantes e
muito intensas lágrimas e soluços, perdia muitas vezes a fala. Igualmente,
depois de terminada a missa, em muita parte deste tempo da Missa, de sua
preparação e após, sentia muito e via a Nossa Senhora muito propícia diante do
Pai, tanto que nas orações ao Pai, ao Filho e no momento da consagração, não
podia deixar de a sentir e ver, como quem é parte ou porta de tanta graça que
em espírito sentia. Ao consagrar, fazia-me compreender que sua carne estava na
do Filho, com tantas inteligências que não se poderia escrever. Sem duvidar da
primeira oblação feita.
Ø Comentário: Missa
da festa da Purificação de Nossa Senhora ou da Apresentação do Menino Jesus ao
Templo, quando o santo velho Simeão o tomou nos braços: celebra-se a 2 de fev. Contemplação
para alcançar o amor: “ver como estou diante de Deus Nosso Senhor, dos Anjos e
dos Santos a intercederem por mim” (EE.EE. 232). Aqui como em outras partes,
note-se a ordem de suas ações cotidianas: despertar, oração na cama,
levantar-se e vestir-se, nova oração chamada do quarto ou câmara, sair do quarto
para a capela, preparar o altar, oração de preparação para a missa,
paramentar-se entre breves orações, ir para o altar e começar a missa.
Missa
do dia – Domingo [24 de fevereiro]. Na
oração costumada, do princípio ao fim inclusive, assistência de graça muito
interna e suave e cheia de devoção calorosa e muito doce. No preparar o altar e
no paramentar-me, representação do nome de Jesus com muito amor. Confirmação e
crescida vontade de segui-lo, lágrimas e soluços. Ao longo de toda a missa,
muito grande devoção e muitas lágrimas, perdendo a fala bastantes vezes. Todas
as devoções e sentimentos terminavam em Jesus, sem poder-me aplicar às outras
Pessoas, senão quase à primeira Pessoa, à que era Pai de tal Filho. Sobre isto
vinham-me réplicas espirituais: “De que modo Pai, de que modo Filho!”.
Confirmação de Jesus
Acabada a Missa, na oração, fiquei-me com esse santo Filho.
Como eu desejara a confirmação pela SSm.ª Trindade, sentia que me era
comunicada por Jesus, o qual se mostrava a mim e me dava tanta força interior e
segurança de confirmação que não temia o que viria. Acudindo-me à mente
suplicar a Jesus me alcançasse perdão da SSm.ª Trindade, vinha-me devoção
crescida, com lágrimas soluços e esperança de alcançar a graça, achando-me tão
decidido e confirmado para o diante.
Depois, junto a braseiro, nova representação de Jesus, com
muita devoção emoção de lágrimas. Em seguida, andando pela rua, representação
de Jesus com grandes moções de lágrimas. Depois que falei a Carpi, na volta,
igualmente sentimento de muita devoção. Após o comer, principalmente depois que
passei pela porta do Vigário, em casa de Trana, sentimento ou visão de Jesus,
muitas moções interiores e muitas lágrimas.
Em todo este tempo, com tanto calor e visitação interior
rogava e replicava a Jesus me Alcançasse perdão da SSm.ª Trindade, continuando
a sentir em mim uma confiança grande de o impetrar. Nestes tempos havia em mim tanto amor em sentir ou ver Jesus que me
parecia já não poder vir coisa capaz de apartar-me dele, nem de fazer-me
duvidar a respeito das graças ou confirmação recebida.
Ø Comentário: Missa
do domingo da Quinquagésimo, 50 dias antes da Páscoa e seu oitavário. À margem
Inácio escreve de novo Confirmação de Jesus, como nome da Companhia.
De
são mateus – Segunda-feira
[25 de Fevereiro]. A oração primeira, com bastante devoção; mais ao diante,
com muito calor e assistência de muita graça. Embora, de minha parte e por
alguns impedimentos que me vinham de outros, achasse facilidade para me distrair,
não procurava nem buscava confirmação, mas desejava reconciliação com as três
Pessoas divinas.
Depois, paramentado para celebrar, não sabendo a quem me
encomendar ou por onde começar, Jesus se me comunica, e acode-me à mente isto:
“Quero seguir adiante” e assim entrei na confissão: Confiteor Deo, como Jesus dizia no Evangelho do dia: Confiteor tibi etc. Com isto, entrando
mais adiante na confissão, nova devoção, não sem moções a lágrimas. Avançando
na missa, com muita devoção, calor e lágrimas, perdia algumas vezes a fala. Nas orações ao Pai me parecia que Jesus
apresentava ou acompanhava as que eu pronunciava diante do Pai, com sentimento
ou visão que não se pode explicar.
Acabada a missa, desejo de reconciliar-me com a SSm.ª
Trindade. Suplicava isto a Jesus, não sem lágrimas e soluços, assegurando-me
não ter necessidade alguma de confirmação, não a pedindo nem a sentindo, nem
tão pouco a de celebrar missas para este efeito, mas tão só de reconciliar-me.
Ø Comentário: Oração
que costumava fazer antes de levantar-se. É notável que após 18 de fevereiro
Nossa Senhora não apareça mais até 7 de março. Depois que foi confirmado por
Jesus, Inácio parece achegar-se a Ele sem a mediação de Maria, que ocupava
antes lugar tão grande e à qual o próprio Pai o remetia. Quando procura a quem
se encomendar, ele se volta de preferência a Jesus como que espontaneamente.
(Giul. 73). Sempre que se fala de Jesus com respeito à SSm.ª Trindade, Inácio o
entende em sua humanidade. Quando quer acentuar a divindade, usa em geral a
palavra Filho. Assim S. Paulo “Porque há um só Deus e um só mediador igualmente
de Deus e dos homens, o homem Cristo Jesus, que se deu a si mesmo como preço de
resgate por todos” (1 Tim. 2,5) (Larr. 719).
Das
chagas – Quinta-feira
[29 de fevereiro]. Na oração costumada, do princípio até o fim inclusive, muito
grande devoção e muito lúcida, cobrindo os pecados e não deixando pensar neles.
Fora de casa, na Igreja, antes da missa, visão
da página celeste ou do Senhor dela, à maneira de inteligência de três Pessoas;
e no Pai, a segunda e a terceira. Na missa, de tempos a tempos, bastante
devoção, sem inteligência nem moções algumas a lágrimas. Acabada a missa, visão igualmente da pátria
ou do Senhor dela, de modo não distinto, depois mais claro, conforme outras
vezes sucede, ora mais ou menos. O dia todo, especial devoção.
Ø Comentário: Missa
das Cinco Chagas de Cristo, que se celebrava então na VI.ª feira, depois da
IV.ª feira de cinzas, e mais tarde se celebrou na VI.ª feira após o 3.º domingo
da quaresma.
Conclusão
O livro,
(Diário) que na 1.ª folha em branco recebeu de mão desconhecida o título
Interna mentis sensa = Sentimentos internos de Alma, e na última folha também
em branco “Consolações e visitas
espirituais de Nosso Pai Santo Inácio”, leva-nos a compreender, em exemplo
privilegiado, o que pretendem obter os Exercícios pelo exame das orações,
consolações e afetos: volta sobre si mesmo, mas na oração e para captar a ação
de Deus. Por uma tal oração, semelhante ao borbulhar de fonte que se alimenta
nas profundezas mais secretas, onde a alma não atinge nada mais senão a
presença do Senhor, é preciso dizer que todos os instantes de um destino humano
ficam inteiramente transformados.
“O movimento
da oração torna-se tão fácil, tão natural, tão tranquilo como o pulsar do
coração ou o ritmo da respiração. Ele acompanha e governa o desabrochar da
sensibilidade, regula e esclarece a reflexão, sustenta a vontade, mantendo-a
tanto firme em seu propósito como aberta a todas as inspirações. O diário de
Inácio nos ficou como uma dessas testemunhas providenciais, graças ás quais
adivinhamos até que ponto a oração pode ser uma vida, interior à nossa vida”.
(Giul. p. 20).
“O Pe. De
Guibert mostrou que a vida mística inaciana não poderia enquadrar-se nem na
mística especulativa, cujo tipo acabado é São João da Cruz, nem na mística
afetiva, à maneira de São Francisco de Assis, mas tem lugar “numa mística do
serviço de Deus por amor”. Fica pois por explicar esta estranha aliança de
passividade, sem a qual não há vida mística, e de atividade, sem a qual não há
serviço, pois o serviço inaciano supõe a movimentação de todas as faculdades
humanas.
O Diário
descreve, ao correr dos dias, o retrato interior de um santo em contínua
receptividade das moções divinas, vivendo com incrível intensidade o drama do
acesso ao mistério, sem nada perder de sua lucidez, domínio e força de ação.
Parece que toda a sua passividade consiste em se aniquilar no ato do
acatamento, para reencontrar, mais puras e mais retas, as forças de sua
inteligência e de sua vontade. A abnegação é então a tal ponto radical que não
é mais ele que serve a Deus, mas Deus que se serve dele.
Por fim, o Apóstolo
não tem senão um sonho, o de morrer de amor por seu Amado, e não cessa de
morrer cumprindo a todo o instante a tarefa para a qual é irresistivelmente
conduzido. Mas é então que ele recebe a confirmação, como selo vindo de Deus:
sua morte mística tornou-se o princípio de uma vida nova que o liberta para
outras tarefas. E isto se irá repetindo, ao ritmo da graça, incansavelmente,
até que chegue a confirmação definitiva, para além do último suspiro e da morte
física, na “visão da pátria ou de seu Senhor” (Giul. pp. 35-36).
Referência:
Diário Espiritual de Santo
Inácio de Loyola – Edições Loyola – São Paulo – Brasil – 1977.
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
SEMINARISTA SEVERINO DA SILVA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário