3 – São Paulo e a experiência
próxima a Damasco
3.1 – As narrações
As primeiras imagens que afloram
à mente à mente quando se pensa na conversão e/ou vocação de Paulo é aquela
presente em At 9,1-19a. É a grande mudança na vida de Paulo. Toda a sua
existência pessoal passa, a partir de então, por uma profunda e total
transformação. Para Lucas, autor do livro dos Atos, não se tratou apenas de um
acontecimento ligado a alguma forma de evolução psicológica ou religiosa do
interessado, mas de uma intervenção direta e envolvente de Cristo Ressuscitado.
O que aconteceu nas vizinhanças de Damasco faz parte de um plano divino. A
importância de tal evento recebeu tanto destaque no livro dos Atos que chega a
ser reapresentado ainda outras duas vezes (At 22,3-21; 26,4-23). Nestes últimos
dois casos o Paulo lucano narra sua experiência em tom autobiográfico. Trata-se
de pronunciamentos de Paulo, o primeiro ante o povo judeu no templo de
Jerusalém, após o seu aprisionamento (At 22,3-21); já o segundo foi diante do
rei Agripa, da irmã deste, Berenice, e ainda diante do procurador Festo (At
26,2-23).
Coletando os dados das três
narrativas é possível compor a seguinte seqüência: Paulo, munido de cartas do
sumo sacerdote, deveria proceder com dureza com os judeus de Damasco que se
fizeram cristãos (9,2). Ao aproximar-se da cidade, ao meio dia, repentinamente,
foi envolvido por uma luz vinda do céu (22,6: “...brilhou ao redor de mim”; (26,13: “...mais brilhante que o sol...circundou a mim e aos que me acompanhavam”).
Paulo caiu por terra (9,4; 26,14: também seus acompanhantes). Jesus Cristo se
deu a conhecer mediante uma voz. Somente Paulo a ouviu (9,4; 22,7; 26,13). O
Senhor lhe ordenou de ir à cidade; lá lhe seria dito o que deveria fazer. Por
causa da luz, Paulo se tornou cego. Um certo Ananias, um judeu cristão de
Damasco, recebeu do Senhor a ordem de dirigir-se até Paulo, que “está em oração” (9,11c). Quando Ananias
lhe impôs as mãos, Paulo recobrou a vista, recebeu o Espírito Santo e foi
batizado (9,17s).
Em nenhum momento do seu
epistolário Paulo explicita o que lhe aconteceu realmente em Damasco. Limita-se
a freqüentes alusões. Deixa entrever que suas comunidades sabem o que se
passou. Quando ele se qualifica de “apóstolo
por vocação” (Rm 1,1), “apóstolo de Cristo Jesus por vontade de Deus” (1Cor
1,1), “apóstolo das nações” (Rm 11,13), “apóstolo
- não por parte dos homens, nem por intermédio de um homem, mas por Jesus
Cristo e Deus Pai...” (Gl 1,1), está ele a indicar que o ocorrido tinha um
conteúdo vocacional.
Quanto ao modelo narrativo dos
acontecimentos de Damasco, apresentados
no livro dos Atos, Lucas parece ter seguido um esquema já presente nas
histórias judaicas de conversão. A mais semelhante é a de Heliodoro. Este
primeiro ministro de Seleuco IV recebeu do rei a ordem de se apoderar dos
tesouros do templo de Jerusalém. Ao entrar no templo uma luz do céu o impediu
de realizar seu intento. Caiu por terra e uma escuridão profunda o envolveu.
Então desistiu do empreendimento, confessou-se pecador e prometeu anunciar a
todos os homens a grandeza daquele lugar sagrado.
Mais do que buscar elementos que
permitam interpretar descritivamente o que ocorreu nas proximidades da capital
síria, vale observar o que Paulo relata aos judeus de Jerusalém. Em At 22,17-18.21 ele está a falar do que lhe
acontecera. E acrescenta: “Depois, tendo
eu voltado a Jerusalém, orando no templo, sucedeu-me entrar em êxtase. E vi o Senhor que me dizia: ‘Apressa-te,
sai logo de Jerusalém... porque é para os gentios... que quero enviar-te’”
(22,17-18.21). Esta visão, no templo, parece orientar o sentido do que
acontecera no caminho de Damasco. Desapareceram a luz, a queda, a cegueira.
Agora verificou-se uma experiência espiritual à qual ele acedeu estando em oração. E então conheceu
o projeto de Deus: a missão aos gentios. A partir da experiência de Damasco
Paulo estava predisposto ao encontro com Senhor.
Seguindo esta primeira
experiência fundante, o livro dos Atos mostra uma série de “visões”, distintas
do acontecimento de Damasco, mas vinculados a ele como desdobramentos
consequentes. Tudo estava orientado à missão evangelizar os gentios. Assim em
16,9-10 (visão do macedônio), ou então em 18,9-10 (missão em Corinto), ou ainda
23,11 (missão de testemunhar também em Roma). O que se pode observar nesta
seqüência é que a partir do primeiro acontecimento, todas as vicissitudes
enfrentadas por Paulo estavam sob a regência do Senhor Jesus.
Destas rápidas observações o que
se pode dizer do que aconteceu a Paulo no caminho da perseguição, próximo a
Damasco, faz parte “daquelas formas de
comunicação religiosa que na tradição bíblico-judaica são apresentadas como
visões e revelações de Deus. Trata-se de uma experiência de caráter religioso
que implica, além do protagonista humano, uma referência à realidade de Deus,
que por si não cai sob o controle dos sentidos e, portanto, não pode ser objeto
de investigação historiográfica”.
A credibilidade daquele evento pode ser constatada por aquilo que ele suscitou,
isto é, uma mudança radical no modo de pensar e de agir de quem até então se
destacava como perseguidor.
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
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