4.3 – São Paulo e sua relação com
Deus
Qualquer
abordagem sobre a personalidade e os comportamentos de Paulo necessariamente
requer a atenção voltada para esta dimensão fundamental, que configurou todas
as outras áreas da vida do grande apóstolo. Deus não apenas o fundamento de sua
existência. Era também o objeto de sua paixão. Fora ensinado, desde os seus
primeiros dias, a amá-Lo com “todo o
coração, com toda a alma, com toda a força, com todo o entendimento”. Por sua experiência judia interpretava
que era Deus quem guiava seu povo e os filhos do seu povo. Era assim que o
Paulo cristão, apóstolo e evangelizador, se reconhecia diante dEle. Por isso
mesmo perscruta as determinações de Deus sobre a oportunidade de ir a Roma (Rm
1,10), ou retornar uma outra vez a Tessalônica (1Ts 3,11). Afinal está convicto
de que “Deus coopera em tudo para o bem
daqueles que o amam, daqueles que são chamados segundo o seu desígnio” (Rm
8,28).
Daí
segue o grande apreço pela oração e pela constância de seu comportamento orante.
No exórdio de suas cartas, exceto em Gálatas, há sempre oração de ação da
graças. Ele tem presente consigo aqueles por quem ora; sua oração conserva
sintonia com as suas necessidades. Muito ilustrativo é o texto de 1Cor 3,6-10:
um planta, outro rega, mas Paulo está convencido de que estéril colocar
fundamentos, plantar, regar se Deus não atuar. Muitos cooperam, mas é Deus quem
dá o crescimento. Para Paulo a oração é, pois, um meio irrenunciável para suas
realizações pastorais.
Paulo
ora incessantemente, com gratidão a Deus, pelos progressos de suas comunidades.
Mas em sua súplica integra também suas necessidades pessoais. Por três vezes
implorou ao Senhor que o livrasse do seu “aguilhão na carne” (2Cor 12,8). O
número três acentua a insistência do orante. Não foi atendido. A resposta tomou
outra direção: “Basta-te a minha graça,
pois é na fraqueza que a força manifesta todo o seu poder”. A resposta foi
negativa, mas com valência positiva, pois indicou com clareza e conferiu
sentido ao destino de sofrimento do apóstolo orante. Na oração Paulo parece ter
reconhecido que o sofrimento não desintegra as pessoas, mas é a ocasião para
que a potência de Cristo, crucificado e ressuscitado, produza frutos através de
fraqueza do seu discípulo.
Um
outro aspecto importante da espiritualidade de Paulo, com incidências em sua
vida concreta e em sua personalidade, pode ser acentuado a partir do tema da
“comunhão com Cristo”. Aparece tipificada na expressão paulina “em Cristo”. A
espiritualidade pessoal de Paulo estava totalmente centrada em Jesus Cristo. Desta
comunhão com Ele interpretou a liberdade do cristão: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Porque livre
pôs-se à disposição do Senhor e das suas comunidades, em posição de obediência:
“Ainda que livre em relação a todos,
fiz-me servo de todos, a fim de ganhar o maior número possível”. (1Cor
9,19). E novamente sua vida com Cristo qualifica-o para afrontar com grandeza e
dignidade o sofrimento: “Somos
atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema
dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados;
prostrados por terra, mas não aniquilados... trazemos em nosso corpo a agonia
de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja manifestada em nosso corpo”
(2Cor 4,8-10). Este é o caminho paradoxal mediante o qual Paulo viveu sua
condição de homem livre em
Jesus Cristo.
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