3.3 – São Paulo de perseguidor a
perseguido
Por várias vezes o livro dos Atos
deixa ler alguns traços das disposições interiores de Paulo em relação aos
seguidores de Jesus antes de ser “alcançado por Jesus Cristo”. A primeira
menção está em 7,56.8,1. Para evitar de colocá-lo como participante ativo no
apedrejamento do primeiro mártir, Estevão, ele é apresentado como alguém que
aprova a punição violenta (8,1) a quem, supostamente, falava contra o templo e
contra a Lei (cf. At 6,13). Em 8,3 ele “devastava” a Igreja. O verbo lumai,nomai (devastar) é forte e comporta a idéia de
violência física e moral.
Usado no imperfeito indica uma atividade continuada, não limitada a fatos
isolados.
As outras
narrativas estão ligadas à experiência de Damasco. Em 9,1-2 as frases indicam
comportamentos de virulência ainda maior do que “devastar a Igreja”. Assim se
lê: “Saulo, respirando ainda ameaças de
morte contra os discípulos do Senhor...pediu cartas para as sinagogas de
Damasco”. A expressão “respirando ameaças” (evmpne,wn avpeilh/j) é caso único no Novo Testamento.
Equivale a “estar repleto de” e sugere algo do comportamento animoso do futuro
apóstolo. Ele estava inteiramente tomado pelo seu projeto de zelar pela Lei a
qualquer custo e em qualquer lugar. Para tanto afiguravam-se-lhe como acertados
os seus ânimos violentos.
É por isso
que nos outros dois relatos, expressos em forma de apologia, o Paulo lucano
fala das motivações de fundo que suscitavam nele movimentos tão fortes
perseguição. Em At 22,4 se lê: “Persegui
de morte o este Caminho, prendendo e lançando à prisão homens e mulheres...”. Por estas palavras vê-se que os gestos
concretos eram prender e lançar à prisão; todavia os sentimentos e intenções
visavam a destruição do assim chamado Caminho (“persegui de morte”). E tais
escolhas se explicavam porque Paulo era “cheio
de zelo por Deus” (22,3).
Nesta mesma
direção seguem as palavras ante o rei Agripa, sempre em tom de apologia: “Parecia-me necessário fazer muitas coisas
contra o nome de Jesus...Quando eram mortos eu contribuía com o meu voto... por
meio de torturas quis forçá-los a blasfemar; e, no excesso do meu furor,
cheguei a persegui-los em cidades estrangeiras” (At 26,9-11). Para dizer
que se lhe afigurava “necessário” hostilizar o nome de Jesus, Paulo emprega o
verbo dei/, que no Novo Testamento é característico
para aludir a um desígnio divino. Em confronto com os textos anteriores
percebe-se que a atividade do perseguidor enquadra-se em uma espécie de
“crescendo narrativo” nas diversas dimensões: no ódio, na extensão, na
gravidade e variedade dos suplícios.
Não Lucas,
mas o próprio Paulo aborda sua refere a sua obstinação perseguidora. Em Gl
1,13, Paulo recorda a sua “conduta de
outrora, no judaísmo, de como perseguia sobremaneira e devastava a Igreja de
Deus” (o[ti kaqV u`perbolh.n evdi,wkon th.n evkklhsi,an
tou/ qeou/ kai. evpo,rqoun auvth,n). Esta lembrança é feita em relação ao
discurso apologético sobre a origem e fundamento do seu evangelho. Perseguir
“sobremaneira” (kaqV u`perbolh.n) é uma expressão
preposicional que ressalta o comportamento fanático durante a perseguição. É
como se Paulo quisesse dizer “perseguia fanaticamente”.
O verbo “devastar”, usado no imperfeito (evpo,rqoun) tem um
sentido de ação progressiva e final,
ou seja, Paulo perseguia fanaticamente a Igreja de Deus, intencionado a
destruí-la.
Um segundo
texto da mão do próprio Paulo em que é mencionado o seu passado de perseguidor
é Fl 3,6: “Quanto ao zelo, (era)
perseguidor da Igreja”. Esta linha faz parte do mais preciso conjunto de
informações sobre o histórico judaico do apóstolo. Paulo enaltece sua própria
história. Ela consta de três qualidades congênitas (Fl 3,5: “do povo de Israel; da tribo de Benjamim;
hebreu, filho de hebreus”), e outras três adquiridas (3,6: “quanto à Lei, fariseu; quanto ao zelo,
perseguidor da Igreja; quanto à justiça que há na Lei, irrepreensível”).
Aqui o perseguidor aparece sem especificações. Apenas mostra que é o zh/loj que determina e qualifica o papel de Paulo como
perseguidor. As frases são sumárias, abreviadas. Mas não escondem uma
personalidade excitada e impetuosa. Sua linguagem se aplaca, porém, no verso
seguinte (v. 7: “...o que era para mim
lucro, tive-o como perda, por amor de Cristo”). Com isso quer ele indicar
que somente em Jesus Cristo
sua vida alcançou um equilíbrio estável.
Também em
1Cor 15,9 a
menção de Paulo sobre o passado de perseguidor está matizada pela graça. O
Senhor Ressuscitado aparecera também a ele. Por isso se reconhece como
apóstolo, ainda que não digno, porque “perseguiu a Igreja de Deus”. Mas “pela graça de Deus sou o que sou” (v.
10). Neste caso a acentuação incide na nova condição pessoal que a eleição como
apóstolo lhe agraciou. Se antes ele era “como
um abortivo” (v.8) o encontro com o Senhor, ainda que perseguidor, fora
algo tão extraordinário como uma criança, já morta, nascer para a vida. E o
antigo perseguidor aderiu à graça a ponto de trabalhar “mais que todos eles” (v.10).
Todas estas
notícias acerca do vigor persecutório de Paulo estão inseridas em narrativas ou
reflexões relativas à nova história, e ao novo homem, que começou a ser forjado
a partir de Damasco. Mas a linguagem empregada indica que ele se empenhava por
completo e estava totalmente absorto no que se tornara uma “atividade habitual”. Todavia, para falar ao modo do próprio Paulo,
em Damasco o Senhor se “revelou” a ele (Gl 1,12); deu-se a conhecer. E tal
revelação estava orientada a constituir Paulo como o evangelizador dos gentios
(1,16). Ao cristão de Damasco, Ananias, o Senhor insistiu: “Vai, porque este homem é um instrumento de
minha escolha para levar o meu nome...Eu mesmo lhe mostrarei quanto lhe é
preciso sofrer em favor do meu nome” (At 9,15-16). Conversão e chamado ao
ministério estavam inseparavelmente unidos.
Em termos
concretos, para o perseguidor tudo aquilo significaria integrar na própria
existência o destino do perseguido.
Paulo é discreto ao extremo em falar das vivências subjetivas daqueles
dias de Damasco, mas o tempo mostrou que foi a mais esmagadora experiência de
sua vida. A partir de então, avassalado por seu Senhor, ei-lo familiarizado com
a existência do evangelizador perseguido. É justamente o que confessa em 2Cor
11,23-28, num confronto comparativo entre o seu ministério e o de seus
adversários. Seu ministério tornou-se mais credível porque se destacou pelas “fadigas...prisões... açoites... cinco vezes
os quarenta golpes menos um ... três vezes flagelado... uma vez apedrejado...”.
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
Nenhum comentário:
Postar um comentário