4.2 – São Paulo e suas relações
interpessoais
Em
seus escritos Paulo nunca menciona pais, irmãos ou parentes. At 23,16 é a única
menção de que tinha uma irmã e sobrinho em Jerusalém. É uma informação
imprecisa, que requer cautela na hora de tirar conclusões. Questão diversa é a
sua posição face ao matrimônio. Em 1Cor 7,7 Paulo aconselha o estado célibe.
Ele mesmo é assim.
É verdade que tal juízo estava sob o influxo da espera iminente da parusia do
Senhor. “O tempo se fez curto... e a
figura deste mundo passa” (1Cor 7,29.31). De qualquer forma, segundo
palavras do próprio Paulo, à diferença dos outros apóstolos, ele renunciou a
ter esposa (1Cor 9,5). Tudo para melhor cuidar “das coisas do Senhor” (cf. 7,32). Na realidade, para Paulo seria
muito difícil ter uma família e esperar dela que suportasse as mesmas fadigas
que carregou consigo como apóstolo e missionário.
Paulo
não foi celibatário por um puro ascetismo, entendido como fim em si mesmo. É
verdade sua vida foi marcada por muitas privações e mortificações. Mas como ele
mesmo explica, “os atletas se abstêm de
tudo; eles para ganharem uma coroa perecível; nós, porém, para ganharmos uma
coroa imperecível” (1Cor 9,24). Porque fora alcançado por Jesus Cristo quer
participar dos seus sofrimentos, buscando assim alcançar a Ressurreição com Ele
(Fl 3,12-14). É por esta razão que embora o homem exterior se desmorone, o
homem interior se renova cada dia (1Cor 4,16). Aliás, por causa de Jesus Cristo
ele se fez judeu para ganhar os judeus; portou-se como se vivesse sem a Lei
para conquistar os que os que não estavam sujeitos a ela; fez fraco com os
fracos; tudo “por causa do evangelho,
para dele me tornar participante” (1Cor 9,19-23).
A
avaliar pela independência das decisões de Paulo, pela originalidade de seu
pensamento, pelos seus dotes de liderança, poder-se-ia pensar que se tratava de
um individualista. Mas ele mesmo mostra que não era um sujeito voltado para si
mesmo. O fato de fundar comunidades e reunir em torno a si muitos colaboradores
indica que era capaz de missionar com os outros, de trabalhar em equipe e de
estabelecer relações de amizades. Seu relacionamento com Timóteo, o mais
próximo dentre os que com ele colaboravam, era matizado por sentimentos
paternos: “como filho ao lado do pai, ele
serviu comigo à causa do evangelho” (Fl 2,22). Era também capaz de aceitar
serviços e participações. Da mãe de Rufo, no capítulo das saudações da epístola
aos romanos, Paulo diz que se tornou mãe também para ele (Rm 16,13). Era grato
a Prisca e Áquila, seus colaboradores que arriscaram a própria vida para para
salvá-lo (Rm 16,3). Na realidade todo o capítulo 16 da epístola aos romanos é
um testemunho eloqüente da capacidade de Paulo de estabelecer vínculos de
amizade.
O
homem de personalidade forte e determinada, capaz de não retroceder face às
situações mais desafiadoras, que não procurava notoriedade para si mesmo, que
evitava falar de si e renunciava com liberdade os seus direitos de
evangelizador, era, todavia, muito espontâneo em expressar seus sentimentos.
Quando se deterioraram as relações com a comuni-dade corintia, escreveu-lhes
uma carta impregnada de aflição: “Em grande
tribulação e com o coração angustiado que vos escrevi em meio a muitas
lágrimas...” (2Cor 2,4). Apesar do estado crítico das relações com eles
sente-se profundamente unido a eles; usa expressões fortes para ilustrar seus
afetos por eles: “Estais em nosso coração
para a vida e para a morte” (7,3).
Sua
cordialidade emerge à superfície particularmente com Onésimo, o escravo fugido,
em favor de quem intercede cm seu escrito a Filêmon. E o faz com as mais
intensas expressões de seus sentimentos paternais. Já ancião e encarcerado,
escreve: “Venho suplicar-te em favor de
meu filho Onésimo, que gerei na prisão... ele é como se fosse meu próprio
coração”. Aliás, quando se trata de sentimentos do coração (sentimentos
“entranhados”), Paulo não pode se referir ao povo de Israel, endurecido, sem
que se lhes “comovam a entranhas”. Em Rm 9,2-3 ele adota uma fórmula muito
singular para exprimir o ardor do sentimento que o mantém ligado ao seu povo: “Tenho grande tristeza e dor incessante em
meu coração. Quisera eu mesmo ser anátema, separado de Cristo em favor dos meus
irmãos...”. Sem dúvida é uma linguagem forte, excessiva,
mas que se presta muito bem para ilustrar o vigor sentimental de Paulo.
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
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