4.4 – São Paulo e sua relação com
as Comunidades
As
relações entre o pastor e suas comunidades tornam-se um precioso meio para
revelar os traços humanos e pessoais do primeiro. Seus afetos, seus zelos, sua
capacidade de perdoar, de compreender, de liderar, de suportar retratam as
disposições de fundo do servidor. A evangelização é um campo precioso e preciso
no qual o homem, o discípulo e o pastor iluminam-se reciprocamente. Lançar,
pois, um olhar atento sobre a linguagem, sobre as expressões de comunhão e de
conflitos entre Paulo e suas comunidades é um caminho rico de possibilidades
para reconhecer traços da personalidade de Paulo, um homem que preferia não
falar de si.
Pode-se
notar que o evangelizador corajoso também se portava com grande zelo e
sensibilidade. São belas suas expressões aos Coríntios: “E isto sem contar... minha preocupação quotidiana, a solicitude que
tenho por todas as Igreja. Quem fraqueja, sem que eu me sinta fraco? Quem cai,
sem que também eu fique febril?” (2Cor 11,28-29). Vislumbra-se nestas
linhas, mas também em muitas mais, uma extraordinária participação de coração
na vida das pessoas e das comunidades. Aos Tessalonicenses, por exemplo,
expressa-se ora com sentimentos maternos, ora paternos (1Tes 2,7-8; 2,11-12).
Apenas um exemplo: “Apresentamo-vos no
meio de vós... como uma mãe que acaricia seus filhos... desejávamos dar-vos não
somente o evangelho, mas até a própria vida, de tanto amor que vos tínhamos”
(2,7-8). Paulo percebera que não é possível evangelizar sem afetos oblativos.
Conjugou de maneira admirável missão e afeição.
O
afeto pastoral o guia até mesmo quando lhe toca falar com severidade. A
respeito de uma carta enviada aos Coríntios, “escrita em meio a muitas
lágrimas”, ele especifica: “Escrevi...
não para vos entristecer, mas para que conheçais o amor transbordante que tenho
para convosco” (2Cor 2,4). Suas reações não eram as do autoritário, zeloso
por suas prerrogativas de comando, mas do servidor atento ao caminhar de sua
comunidade. Era expressão da doação de si mesmo. Isso pode ser observado na
mesma epístola: “Quanto a mim, de bom
grado... me despenderei todo inteiro a vosso favor” (12,15).
É
verdade, ele não esconde suas atitudes de um zeloso paraninfo. Mas o faz com
desprendimento: “Experimento por vós um
zelo semelhante ao de Deus. Desposei-vos a um esposo único, a Cristo, a quem
devo apresentar-vos como virgem pura” (2Cor 11,2). Subjacente a esta imagem
está a tradição vétero-testamentária do noivado e casamento. O pai da esposa
assume o dever de conservar a filha intacta para o esposo. Neste versículo e
esposo é Cristo. É para este amor, o da esposa com o esposo, que Paulo se volta
zelosamente.
Entretanto,
Paulo não somente se afeiçoa às suas comunidades. Deseja delas seus afetos.
Precisa da reciprocidade das mesmas. Sempre aos Coríntios, eis o seu pedido: “Pagai-nos com igual retribuição. Falo-vos
como a filhos: dilatai também os vossos corações” (2Cor 6,13). Também aos
Gálatas manifesta sua dor por ter sido preterido: “Recebestes-me como um anjo de Deus, como Cristo Jesus...dizendo-vos a
verdade eu me tornei vosso inimigo?” (Gl 4,14.16). E gosta de ser
afetuosamente recordado: “Agora Timóteo
voltou...trazendo-nos boas notícias... afirmando que guardais sempre afetuosa
lembrança nossa...”. E todo este afeto se torna oração e realimenta a
espiritualidade. Ele reza por suas comunidades (Rm 1,9-10; Fl 1,4) e solicita
das mesmas participação nos seus projetos mediante a intercessão (Rm 15,30-31).
Nas
relações com as comunidades, Paulo mantém a dinâmica do servo. Não é comunidade
a servi-lo, mas ele se faz servo da comunidade. Os seus adversários, que se
apresentavam com ares de liderança, superestimavam sua própria projeção
espiritual (2Cor 11,4-7). Seu princípio é outro: “Não tencionamos dominar a vosaa fé, mas colaboramos para que tenhais
alegria.” (2 Cor 1,24), pois que ele tem bem presente qual é o seu lugar
entre Jesus Cristo e as comunidades. Ele é servidor, cuja origem e fundamento é
Jesus Cristo: “Não proclamamos a nós
mesmos, mas a Cristo Jesus, Senhor. Quanto a nós mesmos apresentamo-nos como
vossos servos por causa de Jesus” (2Cor 4,5). Sua justa auto-estima
funda-se na condição de servidor generativo, isto é, “ainda que tivésseis dez mil pedagogos... fui eu quem pelo evangelho vos
gerou em Cristo Jesus ”
(1Cor 4,15).
Consciente
da sua condição de servo, Paulo renunciou a manifestações espetaculares de suas
faculdades carismáticas. Escolheu vias mais modestas, porém com mais efeitos
para a maturação das suas comunidades: “Dou
graças a Deus por falar em línguas mais do que todos vós... mas prefiro dizer
cinco palavras com minha inteligência, para instruir também os outros, a dizer
dez mil palavras em línguas” (1Cor 14,19-20). Não busca a projeção e
admiração de si mesmo. Vale muito mais para ele o convencimento: “Compenetrados, pois, do temor do Senhor,
procuramos convencer os homens” (2Cor 5,11).
Todavia,
com os adversários, com aqueles que se interpõem entre ele e as suas
comunidades e lançam dúvidas sobre a verdade do evangelho por ele anunciado,
suas palavras são cortantes: são “falsos irmãos” (2Cor 11,26), são falsos
apóstolos e operários enganadores, que atuam como se fossem ministros de
Satanás (11,13-14). As palavras parecem tomadas do modelo da crítica aos falsos
profetas, contra os quais o profeta Jeremias foi veemente (cf. Jr 23, 9ss).
Emprega com ironia aos seus adversários judaizantes o mesmo epíteto que no
judaísmo palestinense valia para os pagãos: Cuidado
com os cães (Fl 3,2).
Não se tratava de
incompatibilidades subjetivas. O que estava em jogo era o Evangelho de Jesus
Cristo na sua forma mais pura e originária, como lhe havia revelado o Senhor. E
seu ministério recebera a aprovação de “Tiago, Cefas e João” que lhe haviam
estendido a mão em sinal de comunhão (Gl 2,9). Afinal, Paulo compreendera que
sem a comunhão com os apóstolos estaria “correndo em vão”. Por isso mesmo, o
evangelizador determinado e vigoroso subiu a Jerusalém e expôs a eles o
evangelho que proclamava aos gentios. Os apóstolos, por sua vez, reconheceram
que a Paulo “fora confiado o evangelho
dos incircuncisos” (Gl 2,7).
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
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