DEUS CARITAS EST
I Parte
A unidade do amor na criação e na
história da Salvação
Um problema de linguagem
O
termo “amor” tornou-se, hoje, uma das palavras mais usadas e mesmo abusadas, à
qual associamos significados completamente diferentes. Embora o tema desta
encíclica se concentre sobre a questão da compreensão e da prática do amor na
Sagrada Escritura e na tradição da Igreja, não podemos prescindir pura e
simplesmente do significado que esta palavra tem nas várias culturas e na
linguagem atual.
Eros e ágape – Diferença e unidade
Diga-se,
desde já, que o Antigo Testamento grego
usa só duas vezes a palavra Eros,
enquanto o Novo Testamento nunca a
usa: das três palavras gregas relacionadas com o amor – Eros, philia (amor de
amizade) e ágape – os escritos neotestamentário privilegiam a última, que, na
linguagem grega, era quase posta de lado. Quanto ao amor de amizade (philia),
este é retomado com um significado mais profundo no evangelho de João para
exprimir a relação entre Jesus e os seus discípulos.
A novidade da fé bíblica
“Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso
Deus, é o único Senhor!” (Dt 6, 4). Existe um único Deus, que é
o Criador do céu e da terra, e por isso é também o Deus de todos os seres
humanos. A relação de Deus com Israel é ilustrada através das metáforas do noivado
e do matrimônio; conseqüentemente, a idolatria é adultério e prostituição. À
imagem do Deus monoteísta corresponde o matrimônio monogâmico. O matrimônio
baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se o ícone do relacionamento de
Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo humano. Essa estreita ligação entre
Eros e matrimônio, na Bíblia, quase não encontra paralelos literários fora da
mesma.
Jesus Cristo – O amor encarnado de Deus
A
verdadeira novidade do Novo Testamento não reside em novas idéias, mas na
própria figura de Cristo, que dá carne e sangue aos conceitos – um incrível
realismo. Essa ação de Deus ganha, agora a sua forma dramática devido ao fato
de que, em Jesus Cristo, o próprio Deus vai atrás da “ovelha perdida”, a
humanidade sofredora e transviada. Na sua morte de cruz, cumpre-se aquele
virar-se de Deus contra si próprio, com o qual ele se entrega para levantar o
ser humano e salvá-lo – o amor na sua forma mais radical.
Jesus
deu a este ato de forma uma presença duradoura através da instituição da
Eucaristia durante a última ceia. Antecipa a sua morte e ressurreição
entregando-se já naquela hora aos seus discípulos, no pão e no vinho, a si
próprio, ao seu corpo e sangue, como novo maná (cf. Jo 6, 31-33).
Temos, agora, de prestar atenção a outro aspecto: a “mística” do
sacramento tem um caráter social, porque, na comunhão sacramental, eu fico
unido ao Senhor como todos os demais comungantes: “Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só
corpo, porque todos participamos do mesmo pão” – diz São Paulo (1 Cor 10,
17).
O
amor a Deus e ao próximo estão, agora, verdadeiramente juntos: o Deus encarnado
atrai-nos todos a si. Assim se compreende por que o termo ágape se tenha
tornado, também, um nome da Eucaristia: nesta, a ágape de Deus vem
corporalmente a nós, para continuar a sua ação em nós e através de nós. Só a
partir dessa fundamentação cristológica-sacramental é que se pode entender,
corretamente, o ensinamento de Jesus sobre o amor.
Amor a Deus e amor ao próximo
É
realmente possível amar a Deus mesmo sem o ver? E a outra: o amor pode ser
mandado? Contra o duplo mandamento do amor, existe uma dupla objeção que se faz
sentir nestas perguntas: ninguém jamais viu a Deus – como poderemos amá-lo?
A
escritura parece dar o seu aval à primeira objeção, quando afirma: “Se alguém disser: ‘Eu amo a Deus’, mas
odiar a seu irmão, é mentiroso, pois quem não ama a seu irmão, ao qual vê, como
pode amar a Deus, que não vê?” (1 Jo 4, 20).
Com
efeito, ninguém jamais viu a Deus tal como Ele é em sim mesmo. E, contudo, Deus
não nos é totalmente invisível, não se deixou ficar, pura e simplesmente,
incessível a nós. Deus amou-nos primeiro – diz a carta de João citada (cf. 4,
10) – e esse amor de Deus apareceu no meio de nós, fez-se visível quando ele
“enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que, por ele, vivamos (1 Jo 4, 9).
Amor
a Deus e amor ao próximo são inseparáveis, constituem um único mandamento. Mas
ambos vivem do amor preveniente com que Deus nos amou primeiro. Desse modo, já
não se trata de um “mandamento” que
do exterior nos impõe o impossível, mas de uma experiência do amor
proporcionada do interior, um amor que, por sua natureza, deve ser
ulteriormente comunicado aos outros.
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
SEMINARISTA SEVERINO DA SILVA.
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