Escrito na data de sexta, 29 de Abril de 2011/ 14:52
Texto de Dom Filippo Santoro
Bispo de Petrópolis - RJ
Neste domingo, 1º de maio, festa da Divina Misericórdia, o Papa João
Paulo II será Beatificado, em missa e ato presididos pelo seu predecessor,
Bento XVI. Como aconteceu em sua morte, vemos milhares de pessoas indo para
Roma, para Praça São Pedro, com único objetivo, participar da missa, aguardando
o momento, quando João Paulo II será declarado beato.
A ida de pessoas de todas as partes do mundo à Praça São Pedro e o
interesse das pessoas em acompanhar pela TV, rádio, internet e outros meios, a
beatificação de João Paulo II, revela-se nestes dias o aspecto mais tocante no
encontro com este papa, seja diante de imensas multidões como no relacionamento
pessoal: a sua profunda humanidade.
Ele tinha uma particular intensidade afetiva que conquistava; mas isso não
explica tudo. No seu olhar intenso e no seu abraço comovido revelava-se um
outro amor, uma outra presença. O papa com a sua humanidade era sinal vivo do
amor sem medida de Cristo. Por isso, as pessoas, particularmente os jovens,
sentiam um fascínio único e especial: encontravam alguém ferido e apaixonado
por Cristo e, por isso, sensível, solidário, amante da vida.
Como são pálidas as tentativas de classificar este papa em esquemas
ideológicos de conservadorismo e progressismo ou de projeto restaurador; a
única sua preocupação foi indicar a presença de Cristo vivo agora na história,
fonte de esperança para a Igreja e para o mundo inteiro, em particular, para os
aflitos e para os pobres. O seu olhar não estava voltado na defesa de uma
instituição eclesiástica contra os ataques da modernidade e da tecnologia, mas
sim a fixar a presença de Cristo, experimentado como vencedor do mal e início
de um mundo novo. A defesa da ortodoxia era a defesa de uma experiência
preciosa de vida; era o anúncio de Cristo como caminho de plenitude humana
contra toda forma de vazio e de desespero. O sofrimento dos últimos anos e dos
últimos dias do papa foi o ponto alto da entrega da sua humanidade no
seguimento de Jesus.
Desde o primeiro dia de seu pontificado, convidava todos, e não apenas
os católicos, a abrir, aliás, a escancarar as portas a Cristo e, com um acento
e um vigor totalmente novo, convidava os vastos campos da cultura, da política
e da economia, a percorrer a aventura do encontro com o Mistério feito homem.
“Cristo, centro do cosmos e da história”, dirá na primeira encíclica “Redemptor
Hominis”, segundo a melhor teologia do apóstolo Paulo.
Para levar a todos este anúncio, o Papa se fez missionário em todas as
partes do mundo e, particularmente, nas situações mais críticas e delicadas,
com uma intrepidez surpreendente. Não teve medo de ninguém, nem das críticas de
quantos o acusavam de ir contra a mentalidade dominante no mundo, ou de sair
fora dos esquemas da burocracia eclesiástica. Quanto mais firme e sem fáceis descontos
mostrava-se a sua mensagem, mais era procurado, particularmente pelos jovens.
Mostrou firmeza, coragem e paixão missionária, exatamente quando a Igreja
católica começava a viver o complexo de inferioridade diante do mundo e o
anúncio de Cristo parecia reduzir-se a um genérico humanismo secular, súdito
das ideologias dominantes do momento. Filosofo e agudo expoente da
fenomenologia, era atento conhecedor da cultura moderna e contemporânea.
Vacinado contra a ideologia marxista e profundamente critico do capitalismo
consumista, o Papa proclama incansavelmente o valor insuperável da pessoa
humana e da sua dignidade na vida familiar, na convivência social e na ordem
econômica e política.
Coloca-se também na vanguarda da luta contra os grandes sistemas totalitários
do século XX: o nazismo e o comunismo marxista. E esta posição não é conduzida
por meio de reflexões puramente acadêmicas, mas no envolvimento direto pela
causa da liberdade dos povos e das consciências. Um papel decisivo é-lhe
reconhecido na queda do regime soviético, mas também é intransigente a sua luta
em prol da paz em todos os conflitos, particularmente na oposição à guerra no
Iraque.
A liberdade para ele não podia ser separada da sua relação com a verdade
que, com o seu esplendor, é ponto de referência último da vida da pessoa e da
sociedade. Da ligação entre liberdade e verdade depende a firme luta pelos
valores éticos no campo da defesa da vida e da sexualidade, contrariando muito
pensamento dominante, marcado pela idolatria do mercado e pelo domínio de uma
técnica separada de qualquer ponto de referência ético. E neste ponto proclama
a unidade de ciência, técnica e ética, indispensável como garantia dos direitos
humanos, particularmente dos mais pobres. E aqui se revela a sua insistência na
missão social da igreja e na opção pelos pobres que é o transbordar da paixão
por Cristo, que incide profundamente na mudança das situações injustas da
história. Um papa que avança para as águas mais profundas da santidade e ao
mesmo tempo da solidariedade e da justiça; que tem como horizonte não apenas a
Igreja, mas o mundo e a vida dos povos.
Outro aspecto inconfundível do pontificado de JPII foi a busca da
unidade entre os cristãos e o diálogo com judeus, muçulmanos e fiéis de outras
religiões. Os dois encontros de Assis, com lideranças religiosas, constituem
uma novidade total no caminho para superar divisões seculares antigas
incompreensões. Com grande coragem e humildade pediu perdão em nome dos
católicos de todos os tempos, movido unicamente pelo desejo da verdade.
Memorável foi também, depois da visita à sinagoga de Roma, o encontro com os
hebreus em Jerusalém e sua oração perto do Muro das Lamentações. Entrou em
sinagogas e mesquitas, rezou com hebreus e muçulmanos, denunciou a falsidade da
teoria do choque de civilizações e, em várias circunstâncias, insistiu sobre o
fato que as três religiões abraâmicas são chamadas a ser uma defesa da fé e da
civilização contra o domínio de uma visão ateia e puramente mercantilista do
mundo.
Tive a oportunidade de acompanhar de perto João Paulo II na visita ao
Rio em ’97 e o que mais me impressionou, além dos inesquecíveis momentos do
Maracanã e do Aterro, foi a presença cada dia mais maciça do nosso povo mais
simples que descia dos morros para cruzar só por um instante o seu olhar e
pedir com toda confiança: “Sua bênção, João de Deus”!
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