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PAULO E JESUS

RESUMO DO TEXTO: Paulo E JESUS
QUAIS AS DIFERENÇAS ENTRE ELES?

            É mérito da investigação protestante do início deste século o fato de terem subordinado, ainda que com posições e respostas problemáticas, a comparação entre Jesus e Paulo á questão teológica e objetiva das relações recíprocas entre ambos, na verdade, à questão geral da essência do cristianismo.
            Na realidade, o resultado da investigação crítica conduzida pelos estudiosos protestantes foi prevalentemente negativo. Mostrou, acima de tudo, o abismo que separa aquelas duas figuras, e concluiu que o verdadeiro fundador do cristianismo não é o Jesus histórico, o qual, a despeito de toda a sua originalidade, deve ser entendido a partir de pressupostos do Judaísmo, e sim, Paulo que fez dele uma religião de redenção, sofrendo certamente, o influxo do pensamento judaico, mas, sobretudo, das concepções e dos mitos do Oriente pagão, assim como se haviam disseminado especialmente através das religiões mistéricas do helenismo.
            O rigor com o qual a maior parte deles se limitou ao seu trabalho de historiadores, usando total liberdade crítica no confronto com a tradição dogmática eclesiástica, contribuiu, de maneira decisiva, para fazer emergir em toda a sua acuidade o problema de saber se a evolução de Jesus para Paulo era historicamente necessária, se possuía uma legitimidade interna específica, ou se foi uma fatalidade e um declínio.
            Naturalmente, o problema de uma adequação avaliação de Paulo e da sua mensagem é antiqüíssimo. O judeu-cristianismo o rejeitou durante um bom tempo, considerando-o rival de Pedro e Tiago, irmão do Senhor, e chegando, naquele ambiente, até ao ponto de compará-lo com Simão Mago, o cabeça de todos os heréticos (Epístolas Pseudo-Clementinas).
            Contudo, desde o século passado, a hostilidade declarada contra Paulo explodiu novamente no desencontro entre o cristianismo e os seus adversários e se manifestou através de inúmeras vozes, muitas vezes ligadas a uma veneração – ainda que totalmente anti-cristã – pela pessoa de Jesus. Assim, por exemplo, P. de Lagarde, propugnador de uma “religião alemã” e de uma “igreja nacional”, atribui a funesta evolução sofrida pelo cristianismo à “influência exercida por uma pessoa (Paulo) totalmente desqualificada”.
            F. Nietzsche, no seu Anticristo, resumiu de maneira ainda mais drástica e feroz toda a história do cristianismo, chamando-o uma “corrupção impossível de deter”: “No fundo, existiu somente um cristão, e ele morreu na cruz. O ‘Evangelho’ morreu na cruz. “A ‘boa nova’ foi seguida imediatamente pela pior das novidades: a de Paulo”.
            Em época mais recente, a locução “Jesus – não Paulo!” se transformou num tema, que, nas discussões entre Judeus e cristãos, novamente em andamento, indica de maneira precisa a linha demarcatória entre uns e outros. Por isso, uma vez caída a máscara, tanto os judeus quanto os cristãos, diante do ataque generalizado levado a efeito contra a fé que – coisa bastante surpreendente! – ao mesmo tempo, os divide e os une. Foi a partir desta base que se iniciou o diálogo, ainda muito fragmentário, sob o signo daquela esperança expressa por M. Buber num dos seus livros, segundo o qual judeus e cristãos teriam muitas coisas ainda não ditas a se dizer reciprocamente e, concomitantemente, prestar-se ajuda mútua por ora apenas imaginável.
            Caracteriza-se porém, de maneira significativa, pelo fato de os representantes do judaísmo (M. Buber, L. Baeck, HJ. Schoeps, Shalom bem Chorin, e outros) considerarem Jesus como um dos maiores profetas judeus, vendo nele não o Messias, mas um seu irmão, enquanto Paulo teria sido vítima de um judaísmo ilegítimo, apocalíptico e helenizado, mas, sobretudo, de mitos e concepções pagãs, gregas e orientais, e carregaria, por isso, a verdadeira responsabilidade pela fatídica oposição entre judaísmo e cristianismo, bem como pela linha doutrinal da Igreja cristã, tendo-se afastado da autêntica pregação de Jesus e do judaísmo.
            E. Bloch (Atheismus im Christentum, 1968) também se uniu a estas vozes, obviamente não como defensor da fé em Deus, mas como um apaixonado crítico. Como era de se esperar, também ele canaliza a sua ira contra Paulo, mas não com a moderação e sabedoria próprias de pensadores judeus como L. Baeck e M. Buber, e sim com a falta de medida que caracteriza os filósofos marxistas e recorrendo a deformações grotescas do pensamento paulino: criticando a idéia arcaica, atribuída a Paulo, de um deus-Moloch que exige o sacrifício do próprio filho para pagar o débito constituído pelos pecados da humanidade.
            Deste modo, para Bloch, a mensagem de Jesus sobre o Reino de Deus teria sido neutralizada e empobrecida. A partir de então, sob o signo da cruz, os fiéis seriam exortados à paciência, somente à paciência, e até à obediência às autoridades. “A vontade de se colocar a caminho na direção do Reino de Deus ou de promover a sua irrupção” teria sido mutilada pelo conservadorismo de Paulo, o qual teria substituído o “filho do Homem” pelo “Filho de Deus”, inaugurando assim uma teologia pagã e até bizantina do Kyrios, uma “teologia de corte em torno, acima e contra Jesus”.
            Seja como for, a polêmica contra Paulo, comedida ou grosseira que seja, mas sempre viva e renovada, deveria conservar desta aquela inquietação que o próprio Apóstolo suscitou e, sobretudo, deveria trazer salutarmente à nossa consciência aquilo que há de surpreendente na mensagem proto-cristã em geral e particularmente na “palavra da cruz” que é “escândalo para os judeus e loucura para os gentios” (1 Cor 1, 23), tomando sempre consciência do ódio ao qual o Evangelho está em toda em parte exposto.
            Seja como for, esta polêmica comprova que a fé é indemonstrável e que a mensagem de Cristo traz o seu fundamento em si mesmo e não o tira de fora. Tudo depende da pergunta, cuja resposta, tanto para Paulo como para o cristianismo primitivo, é constituída pessoalmente por Jesus crucificado e ressuscitado: a pergunta sobre o significado da figura e da história de Jesus Cristo enquanto ato de Deus, válido uma vez para sempre, que decidiu e decide sobre o nosso destino e o do mundo inteiro.
            É perfeitamente lógico que aqueles que criticam Paulo insistam, desde sempre, sobre esta diferença e, sobre esta base, coloquem o problema da legitimidade ou ilegitimidade da fé cristã. A diferença entre a pregação de Jesus e a mensagem da comunidade a seu respeito é, sem dúvida, evidente, mesmo se a tradição relativa a Jesus, que foi acolhida e reelaborada nos Evangelhos, mostra indícios suficientes de uma inserção tardia de elementos querigmáticos na pregação do Jesus terreno.
            Tal transformação se apresentará necessariamente como um fatídico processo de decadência e de perversão para quem considerar as coisas, buscando essencialmente ou exclusivamente na pregação de Jesus e na dos seus testemunhos subseqüentes um conjunto de idéias e pensamentos intemporais.
            Efetivamente, também na sua crítica revolucionária das tradições dominantes, das doutrinas e da religiosidade do seu povo, a pregação de Jesus, pelo seu conteúdo, está muito mais próxima de quanto se pensou durante muito tempo, da mensagem dos profetas mais antigos e da tradição sapiencial do judaísmo tardio. Esta corretíssima observação permitiu, não sem razão, aos representantes do judaísmo moderno reivindicar Jesus como um profeta pertencente ao seu povo.
            O fato que Jesus esteja estreitamente unido a João Batista e em muitas das suas palavras aceite explicitamente dele a mensagem, a autoridade e a importância, sem degradá-lo a um mero “precursor”, foi realçado justamente pelo Evangelho de Mateus, quando este retoma e reproduz com os mesmos termos precisos a mensagem de um e de outro (compare-se Mt 3,2 com Mt 4, 17).
            O anúncio do iminente fim do mundo e da vinda do Reino de Deus podia ser elaborado em grandiosas construções teológicas, como demonstra a literatura apocalíptica do judaísmo tardio e não trouxe nenhum descrédito para os seus defensores. Contudo, o fato que nas palavras e nos atos de Jesus se estava verificando a afirmação: “Meu filho, os teus pecados te são perdoados” (Mc 2,5), esta sua “autoridade” não sustentada por nenhuma hierarquia sacerdotal ou da parte dos escribas, isto constituía uma blasfêmia.
            O fato de haver questionado, não somente em palavras, mas de fato e de modo revolucionário, todas as tradições e os ordenamentos sagrados, de ter ultrapassado todos os confins entre puro e impuro, justo ou injusto, o haver proclamado o “hoje” e o “agora” na perspectiva escatológica do Reino de Deus que vem, colocou em movimento os inimigos de Jesus, fazendo cair sobre ele a condenação reservada aos rebeldes.
            Para os inimigos de Jesus, aqueles “aqui” e “hoje” se transformaram bem rapidamente num irrevogável “ontem” e “ali”, um episódio, um incidente desagradável, sobre o qual não vale a pena levantar problemas. Mas, como o ensina a história dos discípulos de Emaús (Lc 24, 13s), um problema amargo se coloca, ao invés, aos discípulos de Jesus: o fim de uma esperança, o ocaso de um momento crucial da história do seu povo. Nesta experiência, a Páscoa, isto é, o próprio Senhor crucificado, ressuscitado e presente foi, para eles, a resposta.
            A pregação e a história de Jesus se transformaram na mensagem cristólogica pós-pascal, na qual Jesus mesmo encontra um lugar, tornando-se a sua fonte e conteúdo. A história e a mensagem paulina mostraram a seu tempo, e a história da teologia nos mostra ainda hoje, qual foi a parte que coube a Paulo, enquanto intérprete do Kerigma proto-cristão, naquele processo de compreensão. Não surpreende, portanto, sendo até mesmo bom que ele tenha permanecido até hoje – e oxalá continue sempre! – no fogo cruzado de toda espécie de discussões críticas.
            Com o que foi exposto até agora, não se contesta a legitimidade e o significado de uma comparação entre a pregação de Jesus e a mensagem de Paulo. A despeito da diferença que se observa, em termos de conteúdo, pensamento e linguagem, entre a mensagem de Jesus e a de Paulo, ambas concordam na referência ao homem e ao mundo, e precisamente ao homem e ao mundo diante de Deus, e na relação de Deus com o mundo.
            Na mensagem, Paulina, o homem não é considerado simplesmente um monstro moral nem o mundo é simplesmente desqualificado, no seu sentido gnóstico-dualístico, como uma realidade diabólica. Ante a tendências deste gênero, vivazmente representadas por seus adversários espiritualistas, o Apóstolo se apresenta precisamente como defensor do mundo, entendido como criação de Deus. Mas a sua mensagem realça tanto mais fortemente o fato que Deus não abandonou aquele homem, mas o encontrou e o libertou mediante a fé.
            Onde quer que Jesus os encontre, a sua ausência de liberdade vem à tona, e onde quer que ele pronuncie a sua palavra ou explique a sua ação, acontece a libertação do peso do seu passado e das angústias e preocupações com o futuro. A “liberdade dos filhos de Deus”, segundo a mensagem de Jesus e Paulo, ainda está escondida; a perfeição ainda não se completou. Por isso, a sua pregação está entremeada de apelos à vigilância e de convites para se preparar para os sofrimentos e as provas. Seria um engano pensar que tudo quanto escrevemos seja uma representação perfeita e sem lacunas de Paulo e da sua teologia.
            A grandeza e os limites justamente deste Apóstolo se tocam fortemente como em nenhum outro. Com seu feitio difícil e anguloso, ele quebra o quadro e o clichê de qualquer imagem de santo. Mas tudo isso não faz senão realçar ainda mais a verdade da sua própria assertiva: “Trazemos, porém, este tesouro em vasos de argila...” (2Cor 4,7). Uma coisa é tão verdadeira quanto a outra: os vasos de argila – o tesouro.

FONTE: Gunter Bomkamm, Paulo de Tarso, Vozes, 1992.
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
SEMINARISTA SEVERINO DA SILVA.


      

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