CRISTO
REI DO UNIVERSO
Dn
7,13-14 / Sl 92(93) / Ap 1,5-8 / Jo 18, 33b-37
Caríssimos
irmãos, a festa de Cristo rei pode facilmente ser interpretada de uma forma errônea
e ambígua; pode até mesmo ser apresentada no sentido contrário daquilo que ela
significa. É fundamental esclarecer que a realeza de Cristo é exatamente o
oposto da realeza de muitos que fazem parte deste mundo. Ao longo dos séculos
alguns confundiram o Reino de Cristo com os reinos deste mundo. Essa maneira de
interpretar a realeza de Cristo infelizmente penetrou profundamente na
mentalidade de muitos cristãos.
No
evangelho de hoje é possível notar que o evangelista João descreve a cena de um
diálogo minucioso entre Jesus e Pilatos, que é feito de perguntas, mas quase sem
respostas. Contudo, Jesus está entregue nas mãos de uma autoridade romana, está
sozinho, desarmado, não tem soldados que o possam defender. É um prisioneiro
abandonado, até pelos seus próprios amigos, está sendo esbofeteado, humilhado. Hostilizar
e ironizar a justiça se torna um procedimento natural numa sociedade sem Deus. Mas qual seria a intenção do evangelista
João ao descrever um diálogo entre duas pessoas tão diferentes? E qual seria a
diferença entre Pilatos e Jesus Cristo?
Para o
evangelista o julgamento de Jesus pelos poderes políticos de sua época, depois
de ter sido interrogado pelos poderes religiosos, expõe todas as falcatruas que
envolvem os critérios de julgamento humano quando distante da verdade de Deus.
Pilatos representa aqui a estrutura política (imperialista), sem visão das
reais necessidades e aspirações do povo, que se preocupa tão somente com a
manutenção da ordem e eliminação dos perigos que possam ferir seus poderes. Ele
entende e exerce o poder que explora e oprime o povo, sem receio de matar
alguém para manter seu cargo e privilégios. “O
dilema de Pilatos é o dilema do homem dependente do sistema injusto de poder:
ou arrisca a própria posição ou sacrifica um inocente”.
Quando o
ser humano não mostra interesse em conhecer a verdade de Deus, age como
Pilatos, que voltou as costas a Jesus, apesar de ter percebido que Jesus Cristo
não era culpado de coisa alguma. É a mais lamentável indiferença do homem, com
relação a si mesmo, pois voluntariamente ele se afasta da escola de Cristo (projeto
de Deus vida para todos) e permite que as instituições terrenas continuem a
iludi-lo vergonhosamente. Esse desvio da realidade esvazia a vida humana de seu
sentido transcendental, impedindo o conhecimento da verdade e dando-lhe uma
certeza meramente transitória, de que a vida deve ser intensamente, enquanto
possível. No entanto, Pilatos chama Jesus e lhe faz uma pergunta: “Tu és rei dos Judeus” (cf. Jo 18,33)?
Jesus é
rei, mas sua realeza é diferente, ou seja, não faz parte da desordem de um
mundo que muita das vezes se mostra na sua cruel realidade injusto. Sua realeza
é serviço à vida até as últimas consequências. É por isso que Ele diz a
Pilatos: “O meu reino não é deste mundo.
Se o meu reino fosse deste mundo, os meus guardas lutariam para que eu não
fosse entregue às autoridade dos Judeus. Mas agora o meu reino não daqui”
(cf. 18,36). A realeza de Jesus Cristo é para este mundo, mas não segue as
regras de alguns poderosos que julgam e condenam, exploram e matam inocentes.
Para Jesus Cristo, ser rei é servir até a doação plena da vida. Jesus na função
de sua realeza não elimina ninguém, é Ele que se deixa ser julgado, condenado. Não
faz aliança com os grandes e poderosos, mas põe-se ao lado dos humildes, dos
fracos, daqueles que não têm valor nenhum. Não dar ordem aos outros, mas antes
convida para fazerem parte do Reino de Deus.
O evangelho
de João, diferentemente dos outros, quase não fala do Reino de Deus. É que o
Reino de Deus para João é a própria pessoa de Jesus agindo em defesa e promoção
da vida do povo. O Reino de Deus, portanto, precisamente para João está presente
em todos os sinais que Jesus realizou (primeira parte do evangelho). Está
presente também a partir do momento em que Jesus toma uma toalha e lava os pés
dos seus discípulos (presente na segunda metade do evangelho precisamente no
cap. 13). É deste modo que Jesus afirma sua realeza. Sua realeza, portanto, é a
doação da vida para que o povo possa viver. Mas a sua realeza tem seu ponto
alto na Cruz. Ora, Pilatos não entende a realeza de Jesus Cristo. Para ele é
normal que o poder seja sinônimo de dominação e, como resultado disso pergunta
a Jesus: “o que é a verdade” (cf. 18,
38)?
Afinal o
que é a Verdade? Esta é a interrogação que o mundo faz ao cristianismo. Uma
interrogação à qual não podemos virar as costas ou hesitar na resposta de um
testemunho autêntico, mesmo que o mundo prefira a verdade de Barrabás, símbolo
da violência que busca o poder, símbolo das aspirações de um reino terrestre de
mentiras e roubos, com condenações de inocentes e mortes. No entanto, Jesus
Cristo é rei porque dá a vida. Essa foi a sua missão. Dando a vida aos que não
tinham vida, ele testemunha a verdade,
isto é, ele é a verdade porque é
fiel ao projeto de Deus (cf. Jo 14,6), que sempre quis a vida para todas as
suas criaturas. Jesus Cristo é o Rei que dá a vida, trazendo aos homens o
conhecimento do verdadeiro Deus e do verdadeiro Homem. Seu reino é o reino da
verdade, onde a exploração dá lugar
à partilha, a opressão dá lugar à fraternidade
e a morte dá lugar a vida.
REFERÊNCIAS
ARMELINI, Fernando. Celebrando a Palavra. São Marcos. Ano
B. 6ª ed. São Paulo. Editora Ave Maria. 2009.
BÍBLIA DE JERUSALÉM. São
Paulo: Paulus. 2002.
BÍBLIA
DO PEREGRINO. 2ª ed. São Paulo: Paulus. 2006.
BÍBLIA SAGRADA. Edição
Pastoral. São Paulo: Paulus. 1990.
BORTOLINI, José. Como ler o evangelho de João. 6ª ed.
São Paulo. Paulus. 2003.
MENEZES, Wagner Pedro. Os evangelhos passo a passo. Uma
leitura missionária para cristãos do terceiro milênio. Evangelho Segundo João.
São Paulo. O recado. 1999.
Nenhum comentário:
Postar um comentário