B. CORPO DE CRISTO: A IGREJA DO FILHO
A Igreja é o povo de Deus, querido desde sempre pelo Pai, mas reunido na plenitude dos tempos (Gal 4,4) graças à missão do Filho (Ef 1,4s.10; LG 5). Como acontece esta reunião de Israel escatológico da qual tem a origem a Igreja? Como se configura a partir do Jesus histórico? Como se relacionam o Jesus histórico e o Corpo pascal em relação à Igreja? Para responder a estas questões iniciaremos a falar da CEIA e a partir desta veremos uma eclesiologia implícita em Jesus de Nazaré e uma eclesiologia explícita constituída pelo Corpo de Cristo em força do Espírito.
1. A ÚLTIMA CEIA E A IGREJA
a. A Igreja na instituição da eucaristia.
Esta ceia é o ápice da vida de Jesus, ceia tão esperada (Lc 22,15), hora suprema (Jo 13,1), decisiva (Lc 22,16.18) da existência terrena do mesmo Jesus. Depois da CEIA (nos evangelhos) temos o que esta mesma ceia antecipou: a páscoa da morte e ressurreição.
Evento supremo para o Cristo e também para a Igreja: está nos limites entre a obra de Jesus histórico e do Cristo, atualizado pelo Espírito no tempo. E por isto se pode ver a intenção de Jesus em relação da Igreja. Assim as narrações da CEIA (Mc, Mt, Lc e 1 Cor) enquanto transmitidas pela comunidade pascal deixam transparecer a compreensão que o povo de Deus da Nova Aliança desde as origens tinha de si na Escola de seu Senhor. Embora não se queira fazer história temos muitos elementos históricos nesta narração (semitismos como “partir o pão”, benzer, o uso de um só cálice de vinho, etc.) manifestando que a comunidade concreta tem suas origens na vontade histórica de reunir sua Igreja.
Jesus escolhe o banquete pascal como quadro da última ceia e esta comunidade é constituída pelos doze (Mc 14,17s), símbolo das doze tribos, do Israel escatológico. Não a eles privadamente, mas a eles enquanto símbolo de todo Israel, Jesus, antes de sofrer, oferece si mesmo como dom salvífico no pão e no vinho. O povo de Israel nasceu com os eventos do Êxodo e destes acontecimentos cada ano se fazia memória. Jesus recorre a este contexto pascal mostrando querer ligar o memorial pascal com a Aliança, constitutivo de Israel, com o novo Memorial no seu sangue, fonte do Israel dos últimos tempos, a Igreja, da qual os doze são um sinal profético.
A dificuldade em aceitar uma ceia pascal é o quarto evangelho que põe a morte de Jesus no dia 14 de Nisan. Mas os sinóticos dizem que Jesus morreu no dia 15. Como conciliar? Alguns dizem que o Nazareno celebrava segundo o calendário dos Essênios e, portanto a Páscoa caia na terça feira e assim ele morreu o dia 14 mesmo. Outros dizem que João teologizou os dados assim quis dizer que Jesus é o Cordeiro. Mas em ambos os casos se percebe a vontade de manifestar a unidade e a novidade da aliança entre Deus e o seu povo e a manifestação da Igreja. Temos durante a ceia várias referência ao AT ligadas à Aliança: o tema do sangue da Aliança (Êx 24,8), a nova Aliança (Jer 31,31) e as referência ao Servo de Javé que deixam entrever a conclusão da Nova Aliança (Is 42,6.9; 49,8; 53,7; 53,10.12 -> Mt 26,28).
Tendo presentes todos estes elementos podemos dizer que a última Ceia foi o evento fontal da Igreja, memória atualizante da aliança nova e definitiva que reúne o Israel escatológico. Por esta razão que bem logo a eucaristia se torna o centro da comunidade (1 Cor 11,20). No “partir o pão” a Igreja nascente faz memória de seu Senhor (At 2,42-46; 20,7-11), vem gerada e se expressa na comunhão com Ele e na comunhão fraterna como único corpo produzido pelo único pão (1 Cor 10,17) e se estende até quando ele venha (1 Cor 11,26).
b. A última ceia e a constituição apostólica da Igreja.
As palavras de Lc 22,28ss são endereçadas aos doze e 22,31 a Pedro; embora não se faça nenhuma relação concreta à comunidade esta um lugar preeminente visto que eram eles que estavam com Jesus e por isso sentarão para julgar. A Simão cabe o papel de enrobustecer a fé dos irmãos, baseando-se na oração de Jesus.
Confiando o dever de celebrar seu memorial transmite também o dom e a tarefa de ser chefes da comunidade messiânica, de fato Jesus institui a eucaristia como chefe do novo povo. E por isto é óbvio que sejam os chefes da comunidade messiânica a repetir por ela e com ela o gesto de Jesus.
Se a ceia se coloca no contexto do banquete pascal, então está claro que a celebração do memorial seja presidida por quem no povo no novo Pacto detém o lugar de chefe-família. A ceia reveste assim um papel importante na manifestação da vontade do Senhor de instituir na sua Igreja um ministério de presidência e, pelo fato que o dom é confiado ao colegiado dos Doze, de instituí-lo de forma colegial. Então a ceia não é somente o momento da instituição da Igreja, mas do ministério nela e para ela e por isto estão somente os doze. Nesta direção se entende a afirmação de consagrá-los na verdade de Jo 17,17 como uma real instituição feita no contexto da oração sacerdotal rica de apelos ao contexto da Ceia. E visto que o memorial deve ser celebrado até à sua volta (1 Cor 11,26) se entende a necessidade da continuidade deste ministério da presidência.
Dentro desta constituição apostólica da Igreja tem um lugar especial o papel de Pedro (Lc 22,31ss): uma tarefa de direção da fé é inserida no contexto da Ceia e assim parece testemunhar como na Igreja, gerada e expressa na eucaristia até à sua volta, o Senhor quis um ministério de confirmação, isto é, de verifica e de correção na fé, não fundado nos méritos do escolhido, mas no dom e na promessa de Jesus. Parece que até o mesmo trecho de Mt 16,17-19 (afim a Jo 6,66ss onde Pedro chama Jesus de santo de Deus) esteja ligado à última ceia. Assim Jo 21,15ss é uma repetição do diálogo de Lc 22,31-34): em lugar de prisão e morte de Jesus temos a profecia do martírio e em lugar de confirmar na fé, temos o apascentar o rebanho do Cristo. Com todos estes dados podemos dizer que pelo menos implicitamente a intenção de Jesus era que a Igreja, fundada e expressa no memorial pascal da eucaristia, fosse dotada – até que ele venha – de um ministério de presidência e de confirmação na fé análogo àqueles que Pedro exercia no colégio apostólico.
c. A Igreja, comunidade eucarística.
Eis a missão da Igreja: “Fazei isto em minha memória” (Lc 22,19; 1 Cor 11,24-25). Jesus dá aos apóstolos o mandamento de celebrar na história o memorial de sua Páscoa para reunir o Israel da nova Aliança. Para a concepção bíblica memorial não é uma simples lembrança de um acontecimento passado, mas o zikkaron que o grego traduz com anamnesis e indica o fazer contemporâneo um evento passado por uma ação da potência divina atualizadora. Assim a Páscoa de Cristo se faz presente onde é celebrado o seu memorial e gera a Igreja como a comunidade da Nova aliança, o Israel reconstituído na plenitude dos tempos como oferta de salvação para todos os povos.
A celebração do memorial se cumpre na fidelidade de gestos concretos:
· Jesus banqueteia com os seus e assim temos uma profunda fraternidade entre Jesus e os discípulos. Comunhão de convívio significa comunhão de vida. E ainda mais o partir um único pão e distribuir um pedacinho com todos e a participação ao mesmo cálice são sinais de uma profunda solidariedade. Jesus, portanto, não escolhe qualquer sinal, qualquer pão ou qualquer cálice, mas pão e cálice de fraternidade. Assim a celebração do memorial do Senhor exige e fundamenta a comunhão dos convidados com Cristo e entre eles: não se faz memorial sem a comunhão. A Igreja que nasce da Ceia é comunhão fraterna.
· Esta participação exige também participação ao destino do Cristo e Lucas (apresenta dois exemplos de serviço – Lc 22,24-27 – para quem tem autoridade) e João (que vê no lava-pés a interioridade da eucaristia) expressam bem esta idéia. A ligação Servo e Ceia não é acidental, mas faz parte do sentido da eucaristia. A comunidade eucarística deve comunicar ao destino do Servo, tornando-se ela mesma a serva: comendo o corpo-doado deve tornar-se, pela força que ela comunica, corpo-eclesial-doado, corpo-para-os-outros, corpo oferecido-para-as-multidões. No memorial pascal nasce como povo-servo, comunidade de serviço.
· Enfim se apresenta a tensão escatológica, visto que não beberá até no Reino dos Céus com os seus (Mc 14,25) e por isto anunciamos a páscoa até à sua volta (1 Cor 11,26). Por isto surge a comunidade da esperança. Portanto, o povo reunido pela Ceia do Senhor é comunidade escatológica, sinal para todos na história do futuro da promessa de Deus.
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