AS PRAGAS DO EGITO
PRELÚDIO CONTEXTUAL
Antes de se expor a estrutura comentada e exegética do texto que remonta as Pragas do Egito faz-se oportuno consolidar uma reflexão que visa situar esta sucessão catastrófica em terras egípcias para um melhor entendimento de tais pragas. Estas foram precedidas de fatos que tem como foco uma verdade histórica (Ex 3-6):
Moisés retornou ao Egito. De acordo com Êxodo 4,20, “sua mulher e seus filhos” o acompanharam. De volta ao Egito, a missão de Moisés, como toda missão, seguiu caminhos concretos: primeiramente, reunir os “anciãos de Israel” (Ex 3,16), pois os hebreus haviam mantido uma organização social no Egito, com chefes de família e líderes tribais; em seguida, fazer-se reconhecer como enviado pelo Deus de seus pais (cf. Ex 3,16); revelar-lhes seu projeto de libertar o povo dos maus-tratos que os egípcios lhe infligiam, para reconduzi-lo ao país de seus antepassados (cf. Ex 3,16-17); tornar-se o representante desse povo diante do Faraó ou da realeza egípcia. (DROLET, 2008, p.185-186, grifo nosso).
Além de toda esta trajetória histórica que Moisés se propusera a realizar, o seu regresso em favor de seus irmãos não deixou de creditar uma impressão acerca do seu conhecimento sobre a aristocracia e sobre a corte egípcia. Não obstante, as descrenças de outros, que não escutaram Moisés, motivados pela dureza da escravidão (cf. Ex 6,9). Outro fato presente neste foco da verdade histórica a partir dos moldes da tradição Sacerdotal é a importância de Aarão, irmão de Moisés, e a função que lhe é conferida, o sacerdócio.
O plano mosaico em favor de seu povo é acentuado a partir de seu encontro com o Faraó. Quando na ocasião, Moisés propunha a seguinte proposta: “[...] deixa-nos ir pelo caminho de três dias de marcha no deserto para sacrificar a Iahweh nosso Deus” (Ex 3,18). Com a persistência desta súplica, pode-se inferir que os hebreus das terras egípcias possuíam o costume de realizar uma tradicional celebração anual nas regiões desérticas a leste do Egito; esta peregrinação era cercada de sacrifícios de animais comuns aos animais dos egípcios (carneiros e bodes). Por isso, estes não permitiam que os hebreus realizassem tais sacrifícios em seu país. O que tudo indica é que tal celebração tradicional era a Páscoa. Esta assertiva baseia-se no fato de que os animais sacrificados nesta peregrinação feita no deserto eram exatamente os cordeiros e os bodes.
Quando Moisés estabelecera seu plano a partir desta súplica feita ao Faraó, ele na verdade estava determinado em se aproveitar da festa anual para fugir com seu povo do país e não mais voltar ao reduto de escravidão. Só que o monarca egípcio não se deixara ludibriar pelas intenções dos hebreus na figura de Moisés. O Faraó com essa medida de não autorizar o povo a peregrinar pro deserto estava objetivando a manutenção de sua mão-de-obra, pois naquela ocasião, os hebreus era um povo numeroso e se partissem para realizar sacrifícios a Iahweh iriam interromper as suas tarefas (cf. Ex 5,5). Com o progresso das discussões, o monarca cede e impõe três novas condições: o povo não deveria ir muito longe ou que fossem somente os homens ou que ficassem somente os vossos rebanhos e o vosso gado.
Mas tais condições não encerram em beneficio nenhum ao povo hebreu. Pelo contrário, o contexto agrava-se e o povo passa a ter a conservação de duras corvéias (Ex 5,6-23), com o seguinte acréscimo em seus trabalhos: “[...] a colheita nos campos, da palha para misturar aos tijolos (o Egito tem escassez de pedras e mármores)” (RAVASI, 1985, p. 50).
O episódio que antecede as Pragas do Egito é a transformação da vara em serpente (Ex 7,8-13); tal situação prodigiosa é uma espécie de introdução sobre os sucessivos prodígios que Iahweh irá realizar para mostrar a sua soberania sobre os outros deuses. Movidos pela ordem de Iahweh, Moisés e Aarão apresentam-se ao Faraó com o intento de convencê-lo a libertar o povo israelita. Aarão lança a sua vara diante do Faraó e de seus servos e ela transforma-se em serpente. Contudo , o Faraó não se contenta e convoca os seus sábios, os seus encantadores e os seus magos. E estes realizam a mesma proeza de transformar as suas varas em serpentes. Mas a serpente de Aarão devorou as serpentes dos convocados pelo monarca. Tal episódio apesar de parecer um acontecimento sobrenatural, não passa de uma prática puramente natural realizada também em nossos dias pelos egípcios (BETTENCOURT, 1956, p. 209):
[...] Aos egípcios e orientais era familiar, sim, o trato com serpentes, as quais, mediante encantamentos, eram utilizadas para muitos fins. Ainda em nossos tempos diz-se que reproduzem a conversão referida pelo texto do Êxodo: há um tipo de serpente em cuja cabeça determinado centro nervoso pode ser delicadamente comprimido de sorte a provocar cãibra ou entesamento de todo o animal; este então toma a forma de bastão retilíneo. Logo, porém, que se faça cessar a pressão e com violência se atire o “bastão” ao solo, recupera a natural mobilidade.
COMENTÁRIO ILUSTRATIVO E EXEGÉTICO SOBRE AS PRAGAS DO EGITO
O contexto histórico em si do povo de Israel por volta de 1.250 a .C. era de uma realidade subjugada por duros e pesados trabalhos forçados. Ou seja, era um povo cativo das corvéias do monarca egípcio. Foi um período de grande prosperidade, extensão de domínios e desenvolvimento
Por causa disto, muita gente migrava da Ásia para lá, até mesmo prisioneiros de guerra, e também de outros países vinha gente para trabalhar, para adquirir melhores condições de vida. Então, muitos foram feitos escravos nos empregos a que se incorporaram, com as mutações na conjuntura política.
Por causa disto, muita gente migrava da Ásia para lá, até mesmo prisioneiros de guerra, e também de outros países vinha gente para trabalhar, para adquirir melhores condições de vida. Então, muitos foram feitos escravos nos empregos a que se incorporaram, com as mutações na conjuntura política.
2.1 As Pragas
No contexto lingüístico hebraico uma das palavras que traduzem por praga no Êxodo exprime “dar golpes ou ferir”. Outras duas palavras descrevem as pragas como sinais e juízos. As Pragas do Egito são as seguintes:
Ø PRIMEIRA PRAGA: a água transformada em sangue (Ex 7,14-25);
Ø SEGUNDA PRAGA: o país infestado pelas rãs (Ex 7,26- 8, 11);
Ø TERCEIRA PRAGA: o país infestado pelos mosquitos (Ex 8,12-15);
Ø QUARTA PRAGA: o país infestado pelas moscas (Ex 8,16-28);
Ø QUINTA PRAGA: a peste dos animais (Ex 9,1-7);
Ø SEXTA PRAGA: a peste das úlceras nos homens e animais (Ex 9,8-12);
Ø SÉTIMA PRAGA: a chuva de granizo (Ex 9,13-35);
Ø OITAVA PRAGA: a peste dos gafanhotos (Ex 10,1-20);
Ø NONA PRAGA: as trevas (Ex 10,21-29);
Ø DÉCIMA PRAGA: a morte dos primogênitos (Ex 11,1-10).
Além de ser um fascículo homogêneo, que decididamente ingressou para o mito popular e para a tradição artística de todos os tempos, as Pragas do Egito segundo alguns exegetas, foram à resposta de Iahweh à pergunta do Faraó: Quem é Iahweh para que eu ouça sua voz e deixe Israel partir? (Ex 5,2). Além do que, as pragas têm um caráter pretensioso de atribuir tais prodígios a intervenção explícita de Iahweh. Sem contundo, deixar de considerar que tais flagelos foram acontecimentos naturais.
A explicação natural das pragas é uma realidade unânime na exegese. Segundo àquela explicação, a primeira praga, a da transformação das águas do rio Nilo em sangue fora na verdade a proliferação de algas vermelhas venenosas ou de uma chuva que levou rochas de cor avermelhada ao rio nos meses de julho e agosto. A praga seguinte, a das rãs, fora o resultado da praga anterior. Pois, os venenos das algas fariam com que as rãs abandonassem o rio e invadissem as regiões terrestres. A terceira praga (mosquitos) explica-se pela efetivação de temporais, seguido de clima quente e seco. Com isso, multiplicam-se os ovos dos mosquitos e causa uma enorme infestação. A praga seguinte é muito fácil de explicar, as moscas proliferam-se por causa da morte das rãs, seus predadores natos. A peste dos animais pode ser ocasionada pela atuação quantitativa da mosca-de-estábulo que carrega vírus mortais para vacas e cavalos. O aparecimento das úlceras nos homens e nos animais pode ser ilustrado com a multiplicação de insetos, como o mosquito Culicoides Canithorax. A praga da chuva de granizo é o mesmo que saraivas, muito maiores que as convencionais e ainda misturadas a relâmpagos. A oitava praga, peste dos gafanhotos é explicitada a partir de tantas alterações ambientais, o procedimento dos gafanhotos poderia mudar, gerando conseqüentemente as nuvens. Além disso, enxames de gafanhotos são comuns nas regiões africanas. A nona praga (trevas), ou seja, a obscuridade no céu do Egito poderia ser provocada pelo fenômeno denominado de Khamsin, são as tempestades de areia; outra explicação é a presença massiva dos enxames de gafanhotos nos ares. A última praga explica-se pela seguinte assertiva: era habitual no mundo egípcio que os filhos mais velhos se alimentassem antes que os irmãos mais novos. Por isso, morreram antes, infectados pela falta de higiene, decorrente de toda essa catástrofe ambiental.
Faz-se oportuno mencionar o confronto das divindades pagãs com as Pragas do Egito. Pois segundo alguns estudos, a vitória progressiva de Iahweh sobre o poder opressivo faraônico também era uma forma de golpear os deuses pagãos. Na primeira praga (a água transformada em sangue) executara-se um golpe contra o deus Hapi, o deus protetor das enchentes do rio Nilo. Este deus não fora capaz de evitar que suas águas apodrecessem. A praga das rãs estava relacionada com o deus Hekt, deus da fertilidade. No mundo egípcio o pó da terra era considerado sagrado, Iahweh fora capaz de convertê-lo em insetos aborrecedores (terceira praga). Na quarta praga com a invasão das moscas, os magos não conseguiram afugentá-las, mesmo invocando o deus Belzebu (poderoso deus para repelir enxames de moscas). A quinta praga propiciara a desmoralização do deus Amom, pois este em toda a extensão territorial do Egito tinha a configuração de um carneiro, sendo ele o deus protetor dos rebanhos. A sexta praga contempla um golpe contra o deus Tifon. Este era o protetor dos egípcios contra qualquer tipo de ferida. Nos rituais, os sacerdotes o invocavam e as cinzas do altar de Tifon eram lançadas sobre os doentes. Na narração desta praga, os próprios sacerdotes (magos) são afetados pelas úlceras. A narração da sétima praga apresenta um golpe contra a deusa Serafis, protetora da lavoura. Tal deusa, não conseguira evitar a destruição da vegetação provocada pela tempestade de granizo. Também na oitava praga por meio do enxame de gafanhotos realiza-se uma destruição da vegetação. Desmoralizando, pois, a deusa Isis, também protetora da vegetação egípcia. Na nona praga (trevas) incidira um golpe contra todos os deuses, especificamente contra o deus Rá, a divindade solar. Este não fora competente para penetrar a escuridão. Com o cumprimento da praga da morte dos primogênitos, o Egito estava cabalmente arrasado e todos os deuses foram impotentes diante do poder de Iahweh.
As Pragas do Egito são consideradas uma epopéia da libertação que em sua estrutura literária é composta de narrações amalgamadas no que tange a redação final e segundo (MCKENZIE, 1983, p. 737) são três as tradições que constroem as narrações das pragas – Javista (7 pragas), Eloísta (5 pragas), Sacerdotal (5 pragas): a água transformada em sangue, a praga das rãs, a praga das moscas, a peste dos animais, a chuva de granizo, a praga dos gafanhotos e a morte dos primogênitos são narrações da tradição Javista; a água transformada em sangue, a chuva de granizo, a praga dos gafanhotos, a praga das trevas e a morte dos primogênitos são narrações que integram características da tradição Eloísta; a água transformada em sangue, a praga das rãs, a praga dos mosquitos, a praga das úlceras e a morte dos primogênitos tem características próprias da tradição Sacerdotal.
Os relatos das pragas em toda a sua estrutura desenvolvem várias temáticas. Entre estas destacam: a rivalidade entre Iahweh e faraó; a negociação sobre a saída dos hebreus escravos para realizar sacrifícios a Iahweh no deserto. Àquela temática descreve o duelo entre Iahweh e os magos do faraó. Pois estes conseguiram em algumas pragas reproduzir os prodígios realizados por Iahweh. A temática da negociação encontra-se pela primeira vez na praga das rãs e é ocasionada por duas personalidades fortemente marcadas pela oposição (Iahweh x Faraó). “A dureza de coração do faraó prevalece cada vez que Moisés faz aumentar a pressão sobre o rei e seu país.” (PIXLEY, 1987, p. 66). A dureza de coração do faraó, ora provocada pela própria vontade do monarca ora provocada por Iahweh, tornou forçosa uma praga mais, até que o monarca concedeu o êxodo dos hebreus.
O corpo estrutural das Pragas do Egito é permeado por duplicatas e incongruências. Por exemplo, a quarta praga (moscas) é duplicata da terceira praga (os mosquitos). Assim como a sexta praga (úlceras) é duplicata da quinta praga (peste dos animais). Com relação às incongruências podem-se constatar os seguintes questionamentos: se todos os animais foram dizimados na quinta praga, ou seja, na peste dos animais (Ex 9,6), como é possível admitir que na praga posterior (das úlceras nos homens e animais) tais úlceras comprometessem não somente os homens, mas também os animais (Ex 9,10), que na praga precedente teriam sidos exterminados pela peste dos animais? E se é viável reforçar tal incongruência pode-se ainda, constatar que na sétima praga os homens e os animais foram feridos pela chuva de granizo (Ex 9,25). Outra contradição encontra-se no fato de que se as rãs já cobriam toda a terra do Egito (Ex 8,2), como os magos do Egito poderiam reproduzir a mesma façanha (Ex 8,3)?
E com relação ao número dez, os exegetas afirmam que ele tornou-se importante entre os antigos pelo fato de que a comunidade primitiva quando queria contar algo recorria aos dedos das mãos. Em tais situações, o número dez fora tido como símbolo de um “todo completo hermético em si”. A partir desta compreensão, os povos antigos foram transportando para a religião a importância do simbolismo numérico.
O enfoque teológico de tais acontecimentos sucessivos leva ao entendimento de que a soberania absoluta de Iahweh era uma evidência incontestável e sempre crescente. Não obstante, ao endurecimento do coração do Faraó. Ora movido pela vontade própria ora outorgado por Iahweh.
Os personagens arautos da palavra de Iahweh são Moisés e Aarão. Sendo que os principais personagens de toda a trama são: Iahweh e o Faraó. São aqueles que vão ao encontro do Faraó para reivindicar a libertação do povo de Israel, que falam e agem em nome de Iahweh. Moisés tinha a missão de ser enviado ao Faraó para fazer sair do Egito os israelitas (Ex 3,10). Estes são os responsáveis pelo desenvolvimento de toda a trama e também os que provocam os embates. A figura faraônica:
É cheia de ironia e, em muitas ocasiões, de uma diversão que beira o ridículo. [...] Por exemplo, o faraó não tem nome. Ora, o faraó não pode ser anônimo, visto que se transformará em deus para a posteridade. Desta forma o narrador o despojou de imediato, de sua condição divina (LOPEZ, 1998, p. 53-54).
A atuação dos magos egípcios limita-se na reprodução dos prodígios realizados por Iahweh: Ex 7,11. 22; 8,3. E também quando reconhecem sua ruína e admitem a soberania de Iahweh, afirmando ao Faraó que tais prodígios têm “o dedo de Deus” (Ex 8,15). Ou seja, proclamam que o poder dos deuses faraônico não é superior ao poder do deus dos hebreus. E tal reconhecimento é acentuado na praga das úlceras, quando também os magos foram afetados pelos tumores, a tal ponto de não poderem manter-se de pé diante de Moisés (Ex 9,11).
REFERÊNCIAS
BETTENCOURT, Estêvão. Para entender o Antigo Testamento. Rio de Janeiro: Agir, 1956.
DROLET, Gilles. Compreender o Antigo Testamento: um projeto que se tornou promessa. Tradução de Tiago José Risi Leme. São Paulo: Paulus, 2008. (Coleção Biblioteca de estudos bíblicos).
MCKENZIE, John L. Dicionário Bíblico. 7. ed. Tradução de Álvaro Cunha. São Paulo: Paulus, 1983.
PIXLEY, George V. Projeto de vida. In:__. Êxodo. Tradução de J. Rezende Costa. São Paulo: Paulinas, 1987. (Coleção Grande Comentário Bíblico). p. 29-96.
PUERTO, Mercedes Navarro. Êxodo. In:__. LOPEZ, Félix García (Org.). O Pentateuco. Tradução de José Afonso Beraldin da Silva. São Paulo: Paulinas, 1998. P. 41-57.
RAVASI, G. Êxodo. Tradução de Boanerges Baccan. São Paulo: Paulinas, 1985. (Coleção Pequeno Comentário Bíblico).
FIQUEM NA PAZ DE DEUS!
SEMINARISTA SEVERINO DA SILVA.
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