A MISSÃO DOS SETENTA E DOIS DISCÍPULOS
EVANGELHO DE LUCAS (10, 1-22)
1) COMO ESTÁ SITUADO O TEXTO NO EVANGELHO DE LUCAS?
A perícope que nos é apresentada abaixo está situada dentro da estrutura onde mostra a subida de Jesus para Jerusalém, que se inicia em Lucas 9, 51-52. “Quando se completaram os dias de sua assunção, ele tomou resolutamente o caminho de Jerusalém e enviou mensageiros à sua frente”. Esta trajetória de Jesus para Lucas termina em 19, 28.
Neste contexto Jesus inicia seu caminho para Jerusalém e nessa viagem, Lucas quer mostrar como é a pedagogia do Mestre, que também vai indicando o caminho para aqueles que querem unir-se a Ele. Os primeiros passos para os que seguem Jesus em seu caminho são: disponibilidade contínua, capacidade de renunciar a seguranças e, iniciando o caminho, não voltar para trás, por motivo nenhum. O Mestre relata, ou seja, indica o caminho de como o discípulo deve comportar-se numa missão. Nós constatamos isto de forma contundente na perícope do nosso trabalho, vejamos:
1. Depois disso, designou o Senhor ainda setenta e dois outros discípulos e mandou-os, dois a dois, adiante de si, por todas as cidades e lugares para onde ele tinha de ir. 2. Disse-lhes: Grande é a messe, mas poucos são os operários. Rogai ao Senhor da messe que mande operários para a sua messe. 3. Ide; eis que vos envio como cordeiros entre lobos. 4. Não leveis bolsa nem mochila, nem calçado e a ninguém saudeis pelo caminho. 5. Em toda casa em que entrardes, dizei primeiro: Paz a esta casa! 6. Se ali houver algum homem pacífico, repousará sobre ele a vossa paz; mas, se não houver, ela tornará para vós. 7. Permanecei na mesma casa, comei e bebei do que eles tiverem, pois o operário é digno do seu salário. Não andeis de casa em casa. 8. Em qualquer cidade em que entrardes e vos receberem, comei o que se vos servir. 9. Curai os enfermos que nela houver e dizei-lhes: O Reino de Deus está próximo. 10. Mas se entrardes nalguma cidade e não vos receberem, saindo pelas suas praças, dizei: 11. Até o pó que se nos pegou da vossa cidade, sacudimos contra vós; sabei, contudo, que o Reino de Deus está próximo. 12. Digo-vos: naqueles dias haverá um tratamento menos rigoroso para Sodoma. 13. Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e Sidônia tivessem sido feitos os prodígios que foram realizados em vosso meio, há muito tempo teriam feito penitência, cobrindo-se de saco e cinza. 14. Por isso haverá no dia do juízo menos rigor para Tiro e Sidônia do que para vós. 15. E tu, Cafarnaum, que te elevas até o céu, serás precipitada até aos infernos. 16. Quem vos ouve, a mim ouve; e quem vos rejeita, a mim rejeita; e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou. 17. Voltaram alegres os setenta e dois, dizendo: Senhor, até os demônios se nos submetem em teu nome! 18. Jesus disse-lhes: Vi Satanás cair do céu como um raio. 19. Eis que vos dei poder para pisar serpentes, escorpiões e todo o poder do inimigo. 20. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos estão sujeitos, mas alegrai-vos de que os vossos nomes estejam escritos nos céus. 21. Naquela mesma hora, Jesus exultou de alegria no Espírito Santo e disse: Pai, Senhor do céu e da terra, eu te dou graças porque escondeste estas coisas aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, bendigo-te porque assim foi do teu agrado. 22. Todas as coisas me foram entregues por meu Pai. Ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar (Lucas 10, 1-22).
Os discípulos são organizados por Jesus para anunciarem a Boa Notícia no caminho e começarem a realizar os atos que concretizam o Reino. Porém a verdadeira alegria dos discípulos consiste em saber que a novidade do Reino está surgindo, e que eles estão participando dela. Aqueles que não quiserem aderir à Boa Notícia ficarão fora da novidade de salvação definitiva por meio do único e verdadeiro mediador Jesus Cristo.
Mediante isto, podemos afirmar que a narração de Lucas acerca de Jesus da sua decisão de enviar discípulos para missão e conseqüentemente, Ele subir para Jerusalém (“E tomou a firme decisão de dirigir-se a Jerusalém”) serve como uma introdução específica que permeia quase todo o Evangelho de Lucas porque ele junta episódios que os outros evangelistas situam em outro lugar: como palavras, encontros, revelando um interesse especial pelo homem na seção das parábolas (caps. 14-16) e anunciam a salvação, não esquecida, mas esperada hoje (9, 23; 12,28; 13. 32. 33; 19, 5; 19, 28).
2) QUAL O GÊNERO LITERÁRIO DO TEXTO?
O gênero literário é narrativo porque narra o envio dos setenta dois discípulos. Eles são o segundo grupo de enviados por Jesus a anunciar o “Reino de Deus”. Jesus mesmo os dividiu em dois a dois e pediu que fossem à sua frente por toda cidade e lugar onde ele devia ir.
3) COMO SE ESTRUTURA INTERNAMENTE O TEXTO?
1. Uma “Boa Notícia” dirigida a todos os povos (vers. 1-2).
2. O equipamento leve dos mensageiros (vers. 3-4).
3. Uma vida austera para conquistar credibilidade (vers. 5-8).
4. Os sinais do Reino (ver. 9).
5. O Cristão propõe, não impõe (vers. 10-12).
6. A recriminação as cidades da Galiléia (vers. 13-16).
7. O sucesso garantido e a alegria dos discípulos (vers. 17-20).
8. O Pai e o Filho – o evangelho revelado aos simples (vers. 21-22).
4) COMENTAR OS VERSÍCULOS (EXEGESE)
10, 1 = Jesus envia os seus escolhidos (discípulos) à sua frente, a todos os lugares que o mesmo devia ir. Esta ação será o sentido futuro de todo o apostolado da Igreja até que o senhor venha definitivamente, pregar a Boa Notícia (Novo Testamento).
Aqui podemos relacionar lembrando o que aconteceu com a pessoa de João Batista citado no início do Evangelho de Lucas (1, 76). Ele foi enviado por Deus (Antigo Testamento) à frente de Jesus para anunciar e preparar os caminhos do Senhor.
10, 2 = Aqui encontramos uma metáfora. A colheita simboliza todos os que ainda não conhecem a Jesus, portanto a responsabilidades dos discípulos é anunciar a Boa Notícia, pois toda a colheita deve ser entregue ao verdadeiro dono que é Deus, o Criador de todas as coisas (Gn 1, 1-31).
10, 3 = O lobo não passa de um animal que foi criado por Deus, assim como o homem, mas aqui a imagem do lobo é empregada porque simboliza a violência, a ira, a arrogância por parte do povo pagão que queria devorar o povo de Israel representado neste versículo pelo cordeiro.
10, 4 = Jesus não deseja que os seus escolhidos (discípulos) se dispersem pelo caminho. O discípulo não pode perder o rumo de seu maior objetivo que é pregar o Reino tão esperado por Israel. Não deve ocupar-se com ninguém pelo caminho, pois se isto acontecer poderá entreter-se esquecendo assim a urgência da missão.
10, 5-6 = Nestes dois versículos encontramos o mesmo sentido do anúncio da mensagem que é saudação primeira que deve ocorrer para todo aquele que anuncia a “Boa Nova” de Jesus. A paz esteja com vocês. É saudação que traz alegria, esperança e se houver alguém que abra o coração para Cristo, a paz descerá sobre ele.
10, 7 = Ir de casa em casa pode cair na tentação de querer usufruir da generosidade daqueles que o acolhem, podendo assim escolher o lugar mais cômodo para sua estadia, no entanto o discípulo de Jesus deve se contentar com o que lhe é oferecido, sem preferir nenhumas regalias.
10, 8 = Sem fazer exigências, o enviado deve adaptar-se aos costumes das cidades onde entrarem, e com satisfação comer o que lhe é oferecido sem ter medo de contaminar-se com os alimentos, pois o que “contamina e deixa o homem impuro é o que sai da sua boca” (Mt 15, 11).
10, 9 = A nossa evangelização deve ser coerente, isto é, o nosso falar deve estar de acordo com o nosso agir. Por isso, somos convidados agir de acordo com o que pregamos. Viver a caridade para com aqueles que precisam deve ser a meta de todo Cristão.
10, 10-11 = Diante de tantas dificuldades o Cristão deve estar preparado para o inesperado por que nem todas as pessoas aceitarão o Evangelho como salvação (projeto de Deus). O Evangelho pode ser aceito, mas também pode ser rejeitado. O pó que se encontra debaixo dos pés é um pó contaminado, portanto é preciso sacudi-lo antes de voltar a pisar solo sagrado (Sl 102, 15).
10, 12 = Aqui Jesus relembra Sodoma cidade que foi destruída porque os que nela moravam não escutaram a Deus. A conseqüência foi a destruição por não aceitar os mandamentos do Senhor. Tal cidade terá menos sorte do que Sodoma e Gomorra se recusar o Evangelho.
10, 13-15 = Corazim, Betsaida e Cafarnaum, são três cidades que haviam recebido um tratamento preferencial por parte de Jesus. Nelas Jesus pregou e realizou muitos milagres. A má resposta à graça é agravante; por isso sua condenação será mais grave. Os estilos dos ais são também pronunciados pelos profetas contra as nações ou impérios pagãos. No Primeiro Testamento vemos a figura de Isaías e Ezequiel que pronunciam seus oráculos contra Tiro e Sidônia (Is 23; Ez 26-28 cap.).
10, 16 = Quem escuta os enviados de Jesus, acolhe a palavra (Evangelho) do “Filho de Deus”, Mas quem os rejeita, rejeita também o “Filho de Deus” Jesus Cristo. Rejeitando a Jesus Cristo rejeitará também a Deus, porque foi o Pai quem enviou o Filho.
10, 17 = Terminada a missão os discípulos retornam contentes fruto de um trabalho realizado com êxito. A eficácia da ação de Deus sobre os discípulos era tamanha que até os demônios ficaram submetidos em nome de Jesus a eles.
10, 18 = A figura emblemática de Satanás caindo do céu é para explicar que o “Reino dos céus” não tem lugar para maldade e a vitória do bem sobre o mal é algo concreto e irresistível, ou seja, com a proclamação do Evangelho (que é a palavra de Deus no meio da humanidade) o reino do mal começa a desmoronar e o seu fim é certo.
10, 19 = Serpentes, escorpiões e poder do inimigo (Satanás), são imagens bíblicas e símbolos que representam o mal, também algumas encontramos em Gn 3, 15; Sl 91, 13. Jesus não promete que não se defrontarão com perigos e dificuldades. Mas aqueles que amam o Mestre, mesmo ameaçados irão cumprir sua missão. Os “animais perigosos” (representados aqui pelas potências do mal) aparecerão, mas serão pisoteados pelos discípulos, representantes autênticos da descendência da mulher (Gn. 3, 15).
10, 20 = A alegria maior do discípulo não deve vir simplesmente porque tem o poder de submeter o inimigo (satanás = serpente) debaixo de seus pés. Antes deve ficar alegre porque faz a vontade de Deus e com isto pertencerá ao “Reino dos céus”. “O senhor escreverá no registro dos povos: Este nasceu ali” (Ex 32, 32; Sl 87, 6).
10, 21 = O Espírito Santo infundido no coração de Jesus brota de dentro de si a expressiva confissão tronando-se assim o ponto culminante do Evangelho: “dou-te graças, Pai, Senhor do céu e da terra! Porque ocultando estas coisas aos entendidos (os chefes dos judeus), tu as revelastes aos ignorantes (os discípulos)”. Aqui claramente os valores são invertidos em virtude de uma revelação superior (não terrena), mas totalmente divina. Podemos relacionar com Magnificat de Maria (1, 51-53).
10, 22 = Há uma relação de conhecimento entre O Pai e o Filho ambos se conhecem intimamente (misteriosamente). O Pai revela antes de tudo a filiação única de Jesus (3, 22; 9, 35). Realmente Jesus é o “Filho de Deus”, revelador do Pai (João desenvolve essa teologia de forma magistral).
5) QUAL A MENSAGEM PARA HOJE?
A época em que Jesus viveu era muito remota (não existia os recursos que hoje nós temos) e comparar com a de hoje seria uma falta de sensibilidade muito grande. Hoje nós temos vários elementos que podemos usufruir para uma melhor comunicação e porque não dizer evangelização. Nós temos, por exemplo: jornais, rádios, telefone, televisão, internet e etc. Se hoje também encontramos dificuldades para “evangelizar”, devido o secularismos imaginemos então as dificuldades que os discípulos de Jesus encontraram sem terem os mesmos recursos que nós temos hoje para poder evangelizar.
Não podemos deixar de lembrar que principalmente nós brasileiros vivemos num país onde a maioria das pessoas é praticamente Cristã. O Brasil é um país onde o índice de cristãos é um dos maiores do mundo. Hoje no mundo diferentemente daquela época o cristianismo é considerado uma religião oficial, respeitado e aceito pela a maioria dos governantes onde a religião está presente. Naquele tempo em Israel, os judeus tinham sua religião oficial que era a Judaica. Tudo o que Jesus falava era considerado injúria (falta de respeito ao povo judeu), pois o seu pensamento doutrinário incomodava os sacerdotes, os escribas e doutores da lei. Tudo que era apresentado por Jesus e seus discípulos era tido como blasfêmia, (considerado heresia).
Nos dias atuais esta mensagem serve como inspiração para todo cristão sim, porque todos nós cristãos somos chamados a evangelizar (todo cristão deve se considerar um missionário). Todo aquele que adere a Jesus Cristo de forma concreta é convidado a evangelizar, não dar para ficar numa “experiência intimista” com Deus puramente numa “dimensão abstrata”. A prática concreta do evangelho nos impulsiona a sairmos de nós mesmos e irmos ao encontro daqueles que ainda não escutaram falar da “Palavra que se fez carne e habitou no meio de nós” (Jo 1, 14) que é Nosso Senhor Jesus Cristo.
Ora, é verdade que Lucas apresenta o início da missão de Jesus e o curioso é que ele começa a partir do povo hebreu (povo escolhido de Deus), para depois ir ao encontro do povo pagão (os gentios). Este acontecimento deve servir de exemplo para nós, porque aqui fica claro que a experiência de fé brota, cresce e se enraíza no coração de todo aquele que crer a partir de um contato (intimidade) com o dono da “colheita”.
Através desta experiência somos impulsionados por um amor a Jesus, a tal ponto de sairmos ao encontro de um mundo que às vezes não conhecemos e que se encontra também as vezes tão fechado (os descrentes) a sua proposta, à sua palavra de salvação que é o Evangelho. Ora, ainda nos dias atuais, Jesus o “Filho de Deus” continua escolhendo e enviando discípulos á sua frente para preparar os que ainda não escutaram falar do Reino de Deus que está próximo.
Referência:
Bíblia do Peregrino, Novo Testamento – Editora Paulus – São Paulo – Brasil – 2000.
Bíblia de Jerusalém, Editora Paulus – São Paulo – Brasil – 2002.
Bíblia Sagrada, Edição Pastoral, Editora Paulus – São Paulo – Brasil – 1990.
FIQUE NA PAZ DE DEUS!
SEMINARISTA SEVERINO DA SILVA.
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